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As relações do jazz com as tendências da mídia e mercado: a influência do pop e a extinção do swing...

A maioria das pessoas -- em se tratando de Brasil, principalmente -- procuram ouvir apenas as modinhas dançantes e tendenciosas que a mídia lhes joga aos ouvidos; e mesmo quando algumas essas pessoas atingem uma certa "maturidade", elas até podem procurar  algo mais "sofisticado" para ouvir, mas a escolha será sempre apreciar um tipo de música que não lhes apresentem desafios auditivos: ou seja, se o cara começa a gostar de jazz, dificilmente ele vai avançar sua apreciação pra fora daquele swing manjado ou daquele melodismo convencional, procurando ouvir apenas estilos do jazz tradicional ou, quando muito,  estilos que apresente uma certa associação com o pop e com o rock que ele conhece, já que, assim, o jazz acaba se tornando mais palatável. Mas a influência do pop e do rock no jazz, apesar de ser legítima, é apenas uma fração das possibilidades que o jazz contemporâneo nos apresenta: há muitas aventuras que, com um pouco de coragem e desapego às "dicas" da mídia, qualquer pessoa acaba sendo capaz de assimilá-las. Mas a função desse texto não é desqualificar  a música pop, e muito menos esnobar o apreciador iniciante ou médio, mas avisá-lo de como o jazz evoluiu independente das tendências passageiras, alcançando um grau de ecleticidade que nos presenteia com novas formas e com novas misturas -- esse texto, inclusive, até engloba o pop como um dos  principais elementos influenciadores para o novo jazz, mas dá exemplos nada populares de como, e por que, os jazzistas usam tais elementos.

Jazz: uma palavra contraditória em sua própria origem, mas denominante de um gênero musical cosmopolita -- e também contraditório em suas próprias esferas --, gênero esse que combina arte com cultura popular como nenhum outro gênero consegue fazê-lo -- embora sempre houve, num primeiro momento, conflitos entre a sua necessidade de ser arte plena e a sua necessidade de se manter antenado com a cultura popular, para só depois haver uma confluência de elementos de ambos os extremos, sendo esse o real processo da evolução jazzística. Numa era de misturas em que vivemos, o conceito de "vanguardismo" entrou em desuso para dar lugar ao "ecletismo", onde a meta de cada artista é impor seu próprio estilo sem se preocupar com rótulos, com padrões ou com estéticas dantes estabelecidas: no campo estrito do jazz contemporâneo, além do uso de elementos do hip hop, do indie rock e da pop music, estilos e estéticas jazzísticas convencionais como o bebop, o post bop e o free jazz,  transformaram-se de subgêneros vigentes de uma época antepassada para alguns dos muitos elementos que os músicos usam para compor seus temas -- daí, pelo fato de estarmos em uma época onde todas as grandes descobertas antepassadas são usadas como mero elementos em "colagens" contemporâneas, a palavra "vanguarda" acabou por perder seu sentido de progressividade. Ora, o que significa ser vanguarda hoje em dia? Por outro lado, se o jazz nunca foi tão eclético e livre como agora -- fenômeno que atinge todas as áreas das artes --, o tradicionalismo ainda tem exercido um fórceps contrário aos avanços naturais da nossa época, onde as estéticas urbanas do pop, neo-soul e hip hop passaram a ser as principais influências para os jazzistas, do mesmo modo como o blues, o gospel e a soul music foram os principais influenciadores do hard bop, estilo da década de 50 que resgatou a cadência do swing baseada na cultura negra vigente. Isto é, da mesma forma que a soul music foi a gênese principal do jazz nos anos 50, a pop music é a gênese principal do jazz nesse início de século 21: o desafio, porém, é usar essa influência sem que o resultado soe artificial e por demais sintético.

Contudo, o tradicionalismo defendido pelo trompetista Wynton Marsalis -- que, paradoxalmente, se tornou no mais ousado compositor dos últimos 30 anos --, ainda vive fortemente e lado a lado com o novo e eclético jazz estabelecido nesse início de século, de forma que alguns dos próprios tradicionalistas (como o trompetista Terence Blanchard), bem como muitos dos ecléticos e progressistas (como o clarinetista Don Byron), rumam de um lado para o outro a todo momento, flertando tanto com velhas como com novas formas de tocar e compor, usando, ainda, uma variedade de gêneros musicais já maturados que vão do pop e hip hop, passa pela música erudita e chega até a englobar a música latina e a world music: é daí que surge esse clima de indefinição, essa nova onda de ecletismo estabelecida mesmo quando com um número considerável de músicos contrários à ela. Aliás, faz todo o sentido e é totalmente natural que haja sempre um grupo de músicos que defendam a tradição em compensação dos avanços e das multiplicidades de estéticas que se seguem, já que a maioria dos músicos contemporâneos são aqueles que nasceram nas décadas de 70 ou 80 e cresceram sendo influenciados por todas espécies de estilos musicais  -- eles tiveram a oportunidade de pesquisar e absorver toda sorte de sonoridades e formas musicais que o seculo 20 desenvolveu, sendo natural, portanto, que eles sejam mais ecléticos que seus antecessores. Mas é preciso ponderar  que no jazz nem sempre ser tradicionalista é sinônimo de ser retrógrado, da mesma forma que nem sempre o músico dito progressista ou experimentalista consegue ser ousado, corente e genial: o próprio Wynton Marsalis e o saxofonista James Carter, são tradicionalistas geniais que, apesar de defenderem a remota cultura do jazz, são extretamentes ousados na forma como usam o enorme leque de elementos jazzísticos tradicionais e modernos; enquanto bandas e músicos legendários como Don Byron, Dave Douglas, John Zorn e o trio The Bad Plus são tão ecléticos e "livres" que seria perda de tempo tentar discutir se eles são coerentes ou não -- eles têm obras estruturais e genialmente bem elaboradas, mas, naturalmente, algumas das suas obras refletem apenas o caracter experimental da música, o que, por si só, ainda não é sinônimo de genialidade se não representar uma idéia concreta e coerente que influencie novas gerações. Enfim, apesar das críticas recaírem sempre sobre Wynton Marsalis -- isso mais por causa da sua resistência, na condição de diretor-artístico, em contratar músicos que não defendam a tradição para atuar nos palcos do grande Jazz at Lincoln Center --, os conflitos entre músicos tradicionalistas e músicos experimentalistas sempre foram naturais no cenário norte-americano


Trazendo a crítica para nosso próprio terreiro, porém, vemos que, em comparação com esse cenário rico e eclético dos EUA, a maioria dos músicos, divulgadores e apreciadores brasileiros estão muito atrasados em termos de desenvolvimento. Se é natural que o purista americano defenda a manutenção da sua tradição em detrimento da contemporaneidade, para nós brasileiros não faz nenhum sentido ficar defendendo que o jazz continue preso ao swing e às suas primazias, pois ele não é um gênero musical proveniente da nossa cultura: temos de defender o nosso equilíbrio, o fortalecimento da nossa cultura e, ainda mais, o avanço da nossa música. Ora, não só temos uma das músicas  mais ricas do mundo -- com rítmos diversos  como o samba, baião, frevo, bossa e com uma melodia e harmonia muito bem desenvolvidas -- como também temos todas as condições de criar uma música que, assim como o novo jazz do século 21, soe contemporânea e renove sua estética através da confluência e mistura de idéias e estéticas.  Fortalecer nossa atuação para fortalecer nossa cultura e atualizar nossa música, não significa que teremos de parar de ouvir jazz ou deixar de se antenar em outros tipos de culturas internacionais: ninguém, em sã consciência, seria capaz de renegar a influência que o jazz já exerceu e ainda exerce sobre a música brasileira, bem como em todo o mundo. Na verdade, o que nossos músicos e apreciadores têm de adquirir é a mesma postura e espírito dos músicos do jazz contemporâneo, mas com uma visão progressista voltada para nossa própria música, para nossa própria cultura, assim como Moacir Santos e Hermeto Pascoal fizeram a partir da década de 70 quando criaram experimentos e arranjos tão rebuscados e contemporâneos quanto o fusion, o free jazz e a nova world music da época.  E é justamente por ficarmos presos às velhas tradições que se tornamos incapazes de equiparar nossa própria música com o jazz contemporâneo em termos de inovação: ocasionalmente, a grande mídia brasileira enaltece a bossa nova de forma tão sensacionalista e tendenciosa, que até parece que não houve outras revoluções musicais  no Brasil; e os jazzófilos brasileiros que acham conhecer o jazz, por ter uma discoteca repleta de clássicos ou de títulos de "unsung heroes"-- limitada do swing ao bop, geralmente --, são os mesmos que "desconhecem" ou que  resistem em conhecer a ecleticidade do jazz contemporâneo. A essas pessoas só lhes restam o  orgulho de conhecer a tradição e, sob a égide da expressão "gosto não se discute", elas acham a única justificativa para "proteger" seus ouvidos de qualquer "anomalia" ou "mutação" que a própria evolução do jazz impõe, esquecendo da necessidade da progressividade dentro da nossa própria musica. No entanto, a mensagem que o próprio jazz sempre passou aos seus apreciadores é que, ao contrário de outros gêneros musicais -- como a própria pop music, que é mais uma música de entretenimento --, a evolução artística sempre esteve acima das tendências passageiras, dos limites e concepções pessoais e, por consequência, acima das imposições do mercado consumidor, o que também significaria dizer que se o jazz fosse uma pessoa importante ou famosa, ele diria o seguinte aos seus fãs: "Não importa se vocês são novos ou velhos, não importa o que vocês acham ou gostam, e nem mesmo importa se gostaram de mim até agora, pois, independente disso, eu vou mudar mais uma vez -- se quiserem me acompanhar, sejam bem vindos". Hermeto Pascoal certamente nunca esteve preocupado em fazer uma música baseada em concessões aos gostos do mercado: antes, impôs seus experimentos e suas misturas através do seu próprio modo de expressão, descobrindo formas e sonoridades até então inimagináveis. Em outras palavras, não é o gosto popular quem sempre dita como o jazz ou a música instrumental brasileira deveria seguir, mas são os próprios compositores e músicos que, com suas idéias progressistas, sentem a necessidade de mudar o percurso do gênero a cada década subsequente, conquistando novos públicos e garantindo novas aventuras aos seus apreciadores.



Contudo, admitir que a necessidade de evolução ou renovação do jazz está acima das tendências passageiras do mercado não nos impede de admitir que, em alguns momentos, o próprio mercado interferiu e ditou as regras, fazendo com que as gravadoras apelassem para que seus músicos e compositores usassem novos métodos populares afim de que o jazz pudesse sobreviver às suas baixas – e, como se pode constatar nas direções mais comerciais das gravadoras Blue Note e CTI Records nas décadas de 60 e 70, houve ruins e bons resultados neste caso. A influência das tendências mercadológicas, portanto, nem sempre foram nocivas ao desenvolvimento da arte do jazz em detrimento do lucro: na maioria das vezes, sim, as obras resultadas desse processo foram compostas de forma bem tendenciosa e superficial, algo bem palatável aos gostos dos neófitos, como aconteceu caso do chamado "smooth jazz", estilo endossado por músicos e bandas como Groover Washington Jr, David Sanborn e Spyro Gyra a partir do final dos anos 70; outras poucas vezes, porém, alguns músicos conseguiram criar obras inovadoras, preservando o carácter artístico e sofisticado – ou seja, sem economizar em arranjos, experimentos e improvisos -- ao mesmo tempo em que seguiam tendências mercadológicas, como o pianista Dave Brubeck fez em "Time Out" (obra de 1959 onde as peças combinam melodismo marcante com compassos inusuais; o primeiro disco de jazz a chegar a um milhão de cópias vendidas ), como o saxofonista Charles Lloyd fez em "Forrest Flower" (álbum acústico lançado em 1966, influenciado pela onda "hippie" da época, mas com grande carga de improvisos; foi o segundo álbum a chegar a um milhão de cópias vendidas ) e como o próprio Miles Davis fez em "Bitches Brew" antes de aderir à onda da pop music nos anos 80 (fundador do fusion, esse álbum lançado em 1970, inaugurou a sua chamada "fase elétrica", onde o músico deixou o bop e o swing de lado para inaugurar uma incessante busca por novas sonoridades e experimentos com instrumentos elétricos e eletrônicos, baseando-se na onda do rock e funk da época). Mas, de fato, há mais obras clássicas e inovadoras que foram desenvolvidas de forma independente -- e que não tiveram ou ainda não têm respaldo do mercado e da grande mídia --, do que obras que surgiram pelo viés da necessidade de fomentar uma tendencia comercial. O bebop e o free jazz, duas das maiores inovações que o jazz sofreu em sua história, são dois dos exemplos de como o jazz inovou-se por si mesmo, apenas pela sua capacidade e necessidade de mudar, de se tornar mais complexo ou mais simples, dependendo mais das condições culturais e sociais do que das condições econômicas de cada época.


 Aliás o que a história mostra é que, na maioria dos picos efervescentes do jazz, o vanguardismo sempre foi o principal protagonista na renovação do gênero e, por consequência, na renovação do seu público. Isso porque não só a própria tradição passou a fomentar a evolução -- já que os vanguardistas sempre procuravam criar novas formas baseadas em outras já estabelecidas, como Ornette Coleman que, a princípio, partiu da desconstrução do próprio bebop de Charlie Parker para criar o seu free jazz --, mas também porque, como ja foi deduzido, se instituiu a cultura de que a necessidade de fazer com que a música continue evoluindo está acima da necessidade de se conseguir algum lucro com ela. Para efeito de comparação, usa-se muito a independência que a música erudita teve em relação ao mercado fonográfico para desenvolver suas vanguardas: já que o jazz, apesar de ter nascido como uma música instrumental baseada na cultura folclórica e popular americana, alcançou seu status de arte já na Era do Bebop a partir de 1945, tornando-se independente para impor suas próprias tendências, estudos e desdobramentos, o que o levou, assim como a música erudita, a atingir vários picos de vanguardismo durante sua história -- ou seja, considerando a evolução artística da época, bem como as distinções dos métodos criativos vigentes, a composição "Out to Lunch" (1964), do clarinetista americano Eric Dolphy, é uma obra tão vanguardista quanto a "Le Marteau sans Maître" (1957), do compositor francês Pierre Boulez (isso pra citar apenas peças escritas para pequenos combos). Dito isso, temos de considerar que sempre houve alguns fatores culturais e históricos muito importantes  responsáveis por assegurar independência e vida ao jazz em todos seus "altos e baixos", em todos seus ciclos de renovação ou inovação: um é conceito de democracia estabelecido entre músicos e compositores, democracia parodiada por um conjunto de elementos interligados, tais como os conflitos de idéias distintas (ou seja, toda filosofia e pesquisa musical), estilos distintos (a personalidade musical que difere de um músico para outro), tradições distintas (a tradição do negro em conjunto ou versus à tradição do branco, bem como a intromissão de culturas de outros países) e tendências internas ou externas (como, por exemplo,  as tendências mercadológicas da pop music, em paralelo com as tendências progressistas desenvolvidas dentro do próprio jazz ou as tendências regionais ou etnológicas); o outro fator é, justamente, a  capacidade de assimilação do público para aceitar os vários ciclos de mudanças estilísticas e desenvolvimento da arte musical, algo que está intrinsecamente ligado à educação cultural de cada uma das pessoas que compõe esse público.


E aqui chegamos à outro ponto crítico:  o dos mitos e tabus fomentados pela falta de conhecimento. Falando-se em educação e cultura, há muitos tabus que precisam ser quebrados, principalmente aqui em solo brasileiro. Em plena Era Digital, onde as informações chegam a todas as pessoas do mundo numa mesma velocidade, ainda há, por exemplo, o pré-conceito de que "jazz é uma música para velhos senhores" ou uma "música de elite": justamente porque muitos dos nossos senhores, e até muitos dos nossos jovens, ainda estão presos aos velhos conceitos pelos quais o jazz não existe se não tiver aquele balanço ou aquele swing cadenciado proveniente das décadas de 30, 40 e 50. Ora, os próprios movimentos do jazz nesse início do século desmentem esses tabus ultrapassados: os tradicionalistas ainda dividem o cenário com os ecléticos, mas a reformulação e resgate de velhos elementos, como o bop e o swing, imposta por uma multidão de jovens liderados por Wynton Marsalis na década de 80 -- que representou mais um reinício -- já é um movimento a muito ultrapassado e, por, consequência, acabou por dar lugar à uma nova situação imposta por uma outra trupe de músicos de todas as idades: esses músicos -- alguns deles ex-tradicionalistas, inclusive -- até mantiveram a preocupação e necessidade de prezar por uma certa autenticidade jazzística, mas extinguiram o velho swing afim de serem livres para usar todos os elementos que a nova cultura popular lhes oferece -- daí a influência do pop, do hip hop e do rock indie e de muitos outros estilos no jazz contemporâneo. A idade de uma pessoa, portanto, se torna algo totalmente irrelevante em relação à sua capacidade de aceitar as novidades e os desenvolvimentos, isso quando ela mesma se educa para tanto. Aliás, o próprio jazz vem se instituindo como uma música de estadia e desenvolvimento atemporais desde o surgimento da geração do próprio Wynton Marsalis: tanto foi assim, que diante do esgotamento de experimentos na década de 70 e/ou  da exacerbada experimentação que parecia ter assassinado o gênero, surgiu uma trupe de músicos jovens, os chamados "young lions", que resgataram  e reformularam a importância de elementos primordiais como o blues e o swing, por exemplo. Esses jovens, do final da década de 70 e início da década de 80, faziam parte da primeira grande geração de negros universitários, a maioria deles bem politizados e membros da nova elite de negros intelectuais, todos adeptos aos pensamentos culturais e pacifistas de Martin Luther King: eles tiveram a oportunidade de estudar não só os cânones estabelecidos pelo mundo ocidental, mas toda a tradição norte-americana, trazendo à tona a grande dívida que a nova sociedade tinha com a tradição afro-americana, estabelecendo um novo marco zero para o jazz na década de 80 e 90. Líder desses "jovens leões", Wynton Marsalis causou um grande alvoroço na época ao impor sua "filosofia" revivalista, pela qual o jazz deveria valorizar seus mestres e sua tradição tanto quanto a música erudita valoriza seus compositores históricos, colocando o antigo (o ragtime, o blues e dixieland), o moderno (bebop, hard bop) e o contemporâneo (neo-bop) lado a lado e com a mesma importância para o presente. Ora, se esses músicos eram jovens e se as tendências mercadológicas os pressionavam para a nova pop music da época, por que eles não seguiram os passos de Miles Davis, um senhor veterano dos mais influentes da história do jazz, que, através das suas experiências fusionistas e das suas próprias palavras, já havia "assassinado" o swing e aderido à onda jovem do rock e pop? Sim, até parece contraditório que um velho senhor como Miles Davis estivesse aderido à nova cultura pop dos jovens, enquanto os jovens jazzistas estivessem preocupados em resgatar velhos elementos da tradição a fim de impor um novo começo. Mas esse fato só confirmava que o jazz, com sua enorme independência e capacidade de se revitalizar, mais uma vez se contradizia em relação as tendências do grande mercado vigente, renovando sua tradição, sua força, seu público e, consequentemente, revitalizando seu próprio mercado: através do fenômeno de Wynton Marsalis, as próprias empresas fonográficas tiveram o modelo perfeito de como fazer dessa necessidade de resgate da tradição um trunfo comercial, dando início à uma nova era de efervescência nesse nicho musical. Por isso, esse texto reafirma a tese de que o próprio jazz, apesar de não estar livre das suas relações com o capitalismo, é um gênero que, muitas das vezes, se contradiz em relação aos tabus e sensacionalismos impostos pela grande mídia e, muitas das vezes, impostos pelos seus próprios músicos, críticos e apreciadores: é indiscutível que alguns dos grandes movimentos do jazz -- sejam evolutivos ou de resgate de tradição -- contradizeram as tendências de mercado. Em outras palavras, também é certo dizer que o jazz, em alguns dos seus grandes momentos, foi contra as tendências da  própria cultura popular americana e criou seus próprios movimentos e tendências.























Então, o que se quer dizer é que o jazz e a música instrumental brasileira dependem muito menos das tendências do mercado para sobreviver do que outros tipos de musicas populares dependem dele. Aliás, o próprio fato do jazz atual estar sendo influenciado pela pop music não quer dizer que o jazz esteja se tornando "pop" ou uma música mais palatável, esteticamente e comercialmente falando. Ao contrário de quando Miles Davis e Herbie Hancock aderiram ao pop, os músicos contemporâneos procuram manter a autenticidade jazzística através da complexidade dos arranjos, da quantidade de improvisos e de uma harmonia bem trabalhada. E aí temos dois casos distintos de como os músicos fizeram concessões ao mercado na intenção de renovar e/ou aumentar seus públicos: no início da década de 80, o trompetista Miles Davis, ao tocar temas de Michael Jackson, Cindy Lauper e Prince, pregou a própria morte do jazz e aderiu ao pop em sua forma mais sintética e plena; já os pianistas Brad Mehldau e Jason Moran, expoentes do jazz contemporâneo, revitalizaram o gênero sem renegar que fosse preciso manter um certo sentido de autenticidade e complexidade, reforçando a vivacidade do instrumental acústico através da configuração de covers de bandas e músicos do pop-rock tais como Nick Drake, Radiohead, Oasis e Bjork. Portanto, o fato do jazz contemporâneo estar sendo influenciado pelo hip hop e pela nova pop music está mais ligado à uma necessidade de se rejuvenescer através do uso de novos elementos do que à necessidade se tornar mais palatável ou vendável. Isso porque as próprias consequências da geração dos "young lions" já haviam garantido sobrevida ao jazz, consequências essas que geraram grandes resultados sociais e culturais: o grande feito daqueles músicos foi resgatar a importância do jazz e renovar  seu público durante os anos 80 e 90 sem  terem aderido à tendência da música pop, o que também possibilitou para que esse gênero musical fosse institucionalizado, tornando-se disciplina de base nas escolas e nas universidades. Em paralelo ao resgate da importância da tradição, outros fatores que garantiram sobrevida ao jazz -- principalmente no quesito dele voltar a ser sinônimo de música criativa -- foram as transformações ocorridas nos "guetos" e nos cenários underground, onde músicos da estética "M-Base" como os saxofonistas Steve Coleman e Greg Osby , bem como músicos da estética do chamado "modern creative"  como o tecladista Uri Caine, o trompetista Dave Douglas e o contrabaixista Ben Allison passaram a inovar o jazz em suas diversas esferas, a princípio sem a garantia de um público e sem o respaldo total da grande mídia e , portanto, sem a garantia de um lucro comercial considerável. Por sua vez, a música pop, assim como o hip hop ja vinha influenciando alguns músicos desde o final dos anos 80, passaria a ser uma das grandes influências para todo o jazz no final dos anos 90, mas agora isso não significava que, como Miles fizera, o jazz voltaria a renegar suas origens e sua autenticidade para se tornar uma música meramente de teor comercial: o desafio do jazzista contemporâneo é usar elementos adversos mantendo a tessitura jazzística, mantendo o improviso complexo, mantendo a harmonia bem trabalhada e, principalmente, fazendo do arranjo a melhor ferramenta de trabalho . Assim como o pianista Brad Mehldau está fazendo e como o falecido pianista sueco Esbjorn Svensson vinha fazendo, o contrabaixista Ben Allison e o saxofonista Donny McCaslin, ambos americanos, têm apresentado álbuns de frescor contemporâneo onde a pop music exerce uma influência preponderante, mas, ao contrário do pianista sueco, isso não significou que eles se tornassem mais vendáveis ou que deixassem de ser subestimados pelo grande público e pela grande mídia: nos respectivos álbuns "Think Free" e "Declaration", ambos de 2009, Allison e McCaslin fizeram muito mais do que apenas interpretar covers; eles mesmos compuseram todas as canções usando elementos tonais, melódicos e timbrísticos do pop, sem diminuir na complexidade dos arranjos, da harmonia e improvisos, criando temas tão peculiares e criativos que afasta qualquer possibilidade de um especialista classificá-los como "pop" -- o melodismo, bem como alguns dos elementos harmônicos e ritmicos, advém, sim, do pop, mas o resultado final é eminentemente jazz em sua total plenitude contemporânea. Da mesma forma, o fato de músicos como o pianista Robert Glasper e o trompetista Christian Scott estarem impondo um novo estilo através das influências do neo-soul e hip hop, não significa, necessariamente, que o jazz esteja mais palatável. O que esses novos músicos estão fazendo é atualizar o jazz, após uma onda de conscientização estabelecida pela geração de Wynton Marsalis e que já estava ficando exaurida desde o final da década de 90: e a única consciência advinda dessa geração anterior é que, independente das influências, o jazz sempre terá de preservar sua autenticidade.



Dentro desse processo, porém, foi subtraída a idéia de que o jazz deva seguir padrões de swing ou grooves estabelecidos nas décadas de 40, 50 ou 60, ou ainda que o jazz deva seguir a harmonia ou o melodismo da música popular tradicional -- o próprio conceito do M-Base, criado por Steve Coleman nos anos 80, já unia elementos do free jazz, funk, bebop e hip hop numa só estética -- através do uso da polirritmia e de compassos ímpares e compostos --, prevendo a extinção de tais convenções da forma "quadradinha" como elas existiam antes. Concluindo: uma coisa é compor algo que seja palatável e vendável -- em todos os sentidos de "vender" um produto ou uma idéia --, outra coisa é sentir a necessidade de compor algo que evidencie um processo artistico, uma busca por inovação, um experimento -- situação essa, onde uma nova idéia, na maioria das vezes, não é bem aceita pelo público e crítica, e outras vezes nem é divulgada, mas que faz parte de uma necessidade de fazer com que a arte continue evoluindo: e o M-Base, por exemplo, é uma estética que não só surgiu desconectada das tendências de mercado como ainda parece continuar marginalizada, embora vários músicos da nova geração, como o pianista Vijay Iyer e o saxofonista Rudresh Mahantappa, são eminentemente influenciados por essa concepção, o que já mostra que ela será uma das estéticas a serem bem analisadas num futuro próximo. Em relação ao jazz contemporâneo, portanto, é preciso que os criticos, músicos, divulgadores e apreciadores brasileiros se atualizem e aceitem o fato de que já não existe uma concepção imposta de swing, mas um novo jazz repleto de novas formas e misturas a serem descoberta e analisadas: mas esse é um recado que só será diluído por aqueles que querem se manter atualizados. Afinal, essa coisa de "swing quadradinho" já começara ser questionada mesmo no final da década de 50, quando Dave Brubeck, a começar pelo fenomenal álbum Time Out, começou a evidenciar um jazz literalmente ímpar, onde compassos ímpares inusuais como 5/4, 7/4 e 9/8 começaram a confundir as mentes metrificadas da época. E, como já foi citado, dizem que o Dave Brubeck fez uso de um melodismo palatável e de apelos populares para vender seu milhão de discos. O problema é que, durante os momentos mais populares do jazz até os dias de hoje, nem todo músico conseguiu ser uma espécie de Dave Brubeck... (Clique nas imagens para acessar nossos podcasts e nossos artigos em português sobre os respectivos músicos).


3 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo trabalho! Me arrisco a dizer que este é o melhor artigo, que já li, sobre os dilemas do jazz no contemporâneo.

Bom, a minha opinião é que a tal imagem "nublada", que dificulta uma delimitação das fronteiras do que é ou não jazz, sempre existirá. Afinal, o jazz nasceu através da fusão de diferentes influências. Ou seja, essa mistura está no seu DNA, e é algo que cresceu ainda mais com a diminuição das distâncias entre povos, impulsionada pelo avanço tecnológico. Se misturou no começo do século XX, por que não pode misturar agora?

É ainda interessante notar que o jazz caminha paralelamente com os dilemas do Homem no contemporâneo. Há uma crise de identidade e velhos estereótipos vão sendo quebrados, afinal, hoje há comunistas cristãos, padres roqueiros, metaleiros evangélicos e otakus brasileiros com 40 anos.

Abraços,
Albino Junior

Vagner Pitta disse...

Belo comentário Albino. Você explicitou, de forma bem sucinta, um entendimento perfeito ao traçar um paralelo entre os dilemas do jazz e os dilemas do homem contemporâneo.

Abraços, muita paz e muito jazz!

Namaguideras disse...

Excelente artigo!
Pontuou muito bem essa confusão que às vezes é feita com relação ao ecletismo e à vanguarda, que são coisas distintas e quase sempre colocadas no mesmo balaio.
Toco num grupo instrumental (quiser conferir: myspace.com/otistrio)e me identifiquei muito com relação ao que escreveu sobre o pop. Eu sou o mais velho do trio e negar essa manifestação musical seria negar algo que está inerente a mim. Seria forçar a barra. Assim como é forçar a barra "impôr" o pop de maneira apelativa, visando somente os dividendos. Acho que o grande lance é fazer sua música, sem ranços ou "verdades". Bom, falar é fácil né... rs

Abraço.

Luiz E. Galvão

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