Nem o ousado jazz tradicionalista de Wynton Marsalis, nem as interessantes investidas ecléticas de Dave Douglas e nem o agradável jazz meio neo-soul de Christian Scott... Neste atual momento do gênero jazz, as investidas mais ousadas e inovadoras levadas a cabo por um trompetista são as de Peter Evans, improvisador virtuoso que representa um novo panteão de jovens músicos vanguardistas tais como a guitarrista Mary Halvorson, os trompetistas Nate Wooley e Taylor Ho Bynum, o saxofonista Jon Irabagon, o contrabaixista Moppa Elliott, a violinista Jessica Pavone, os bateristas Weasel Walter e Kevin Shea, entre outros. Mas Peter Evans, formado pelo legendário Conservatório de Oberlin (Oberlin Conservatory of Music), não se coloca na condição limitante de um "jazzista", propriamente dito; tampouco se limita a ser apenas um improvisador livre: talvez, a condição que mais lhe caiba, apesar dele estar inserido no roll de jazzistas já bem relacionado pelos holofotes especializados, é a de um explorador dos limites do trompete sob as mais variadas formas de arte musical: ele está criando um discurso contemporâneo que transverte elementos, elementos que vão da música erudita (do barroco ao moderno) ao jazz (do bebop ao freejazz), do noise (exploração de ruídos) à música eletroacústica. Dito isso, alguém poderia dizer: "Aaah, essas misturas de jazz, erudito e música eletrônica já são um ponto de referência tarimbado dentro da recente história da música pós-moderna, e nem sempre elas surtiram efeitos concretos e resultados definitivos". Mas lhes asseguro que com Peter Evans e seus pares essas "misturas" não são apenas "misturas esfareladas" a esmo, são misturas destiladas, sintetizadas e agora homogeneizadas em um discurso coerente, um discurso que, ao casar requinte técnico com liberdade, é capaz de se estabelecer como uma das principais linguagens, um dos principais pilares estéticos do jazz contemporâneo -- e pensando unicamente no discurso musical de Evans, há um respeito muito grande pela tradição jazzística embutido aí no meio, o que lhe dá ainda mais credibilidade frente à comunidade jazzística novaiorquina.
Tanto em concertos nova-iorquinos como em registros à venda nos sites de compra on-line, Peter Evans pode ser visto e ouvido em vários grupos, bandas e formatos: no seu Peter Evans Quartet (com o pianista Ricardo Gallo, o contrabaixista Tom Blancarte e o baterista Kevin Shea); na incrível banda do contrabaixista Moppa Elliott, chamada Mostly Other People Do the Killing; num duo de improvisação livre com o contrabaixista Tom Blancarte; num outro duo livre com o trompetista Nate Wooley; em conjuntos de música barroca na igreja St Peter’s Church e em coletivos de música erudita moderna como International Contemporary Ensemble, Alarm Will Sound,Contiuum e Ensemble 21. Em termos de registros, a discografia de Peter Evans inclui tentos interessantíssimos como o More is More (um álbum só com suas performances em trompete solo, pela Psi Records), o primeiro álbum do seu Peter Evans Quartet (pela gravadora Firehouse12) e os álbuns com o quarteto Mostly Other People Do the Killing (pela Hot Cup Records,) que ele praticamente co-lidera com o contrabaixista Moppa Elliott. Recentemente, também, o trompetista tem sido editado numa pá de registros em parcerias ou colaborações com improvisadores e jazzistas europeus: aí, inclui-se participações suas com o veterano Evan Parker no álbum The Moment's Energy (ECM, 2007) e em registros gravados em Portugal como Live in Lisbon (gravado no Jazz Em Agosto 2009), no álbum Scenes in the House of Music (com o trio Parker/Guy/Lytton) e o The Coimbra Concert (com o Mostly Other People Do the Killing), todos editados pela excelente gravadora Clean Feed.
Uma das facetas mais interessantes na biografia de Peter Evans é quando ele fala sobre quais músicos lhes influenciou num primeiro momento e lhes influencia atualmente, bem como quando ele fala da sua própria forma de enxergar a arte da música, como um todo. Para um apreciador que não pode conferir de perto os cenários do jazz norte-americano e que ainda aposta na dicotomia entre jazz mainstream e jazz de vanguarda, seria-lhe estranho ouvir que um músico calcado no avant-garde se inspira em um outro músico calcado no mainstream -- assim como é raro ver um músico dito vanguardista dizer que se inspira em um outro músico dito conservador. Para Peter Evans, porém, essa dicotomia não existe: numa recente entrevista concedida ao jornalista português Nuno Catarino (da revista jazz.pt), o trompetista deixou claro que um dos improvisadores e solistas de trompete que mais lhe inspira é Wynton Marsalis -- teria sido por influência dos excelentes e modernos discos do Wynton Marsalis Quintet dos anos 80, inclusive, que ele escolheu o trompete para estudar. É pouco provável, porém, que o ranzinza Wynton Marsalis se sinta tocado por isso e passe a venerar o avant-garde de Peter Evans como uma nova revelação no jazz contemporâneo, encomendando-o para um número no seu Jazz at Lincoln Center, mas Evans parece amar a música pela música sem querer algo em troca: então ele não vê problemas em afirmar que o virtuosismo e o fraseado estonteante de Wynton e a seção rítmica conduzida pelo baterista Jeff "Tain" Watts naquela época foram uma grande contribuição para o jazz e, portanto, são um dos seus objetos de estudo, algo que fica patente, inclusive, nas sonoridades do seu Peter Evans Quartet e do quarteto Mostly Other People Do the Killing. Ademais, Evans já afirmou que outras das suas influências são os improvisos rasantes do sax tenor de John Coltrane, os sons e improvisos livres criados pelos saxes do improvisador inglês Evan Parker, o estilão antigo do trompetista Roy Eldridge, os álbuns desbravadores do trompetista Don Cherry e a sonoridade metálica do trombonista de freejazz George Lewis -- esse é o "molho" com o qual ele tempera sua sonoridade repleta de gritos metálicos, grunhidos, glissandos velozes, intervalos complicados entre grave, médio e agudo, frases num estilo tipo free-bop, entre outras pirotecnias sonoras que só ele consegue produzir ao trompete. Sem apelar para gratuítas e frágeis comparações, o virtuoso Peter Evans -- quase sempre vestido de camisa e calça sociais, quando não de terno e gravata -- parece mesmo é um Evan Parker do trompete, ou um Wynton Marsalis do avesso...Leia esta entrevista para saber mais sobre este grande músico! Em breve, outros posts falando sobre os excelentes álbuns do trompetista!
Mostly Other People Do the Killing (Moers Jazz Festival): Moppa Elliott- Bass, Peter Evans- Tumpet, Jon Irabagon- Saxophone, Kevin Shea- Drums.
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