Já escrevi aqui sobre os trabalhos deste herói do contrabaixo: Mario Pavone (vide tag "Mario Pavone" no final do post). Remanescente do núcleo dos músicos marginais do free jazz a emergir no final dos anos 60 e a sofrer com o ostracismo dos anos 70, Pavone ficara conhecido, pelo menos até meados dos anos 90, apenas como um sideman bem requisitado e benquisto entre músicos progressistas, já tendo trabalhado com o pianista Paul Bley (1968-72), o trompetista Bill Dixon (nos anos 80) e o saxofonista Thomas Chapin (1990-97), além de também ter co-liderado registros com o compositor e multiinstrumentista Anthony Braxton, com o trompetista Wadada Leo Smith, com o saxofonista Marty Ehrlich e, mais recentemente, com o guitarrista Michael Musillami, fundador da gravadora Playscape, selo pelo qual, só agora, nos últimos anos, vem lançando uma bem sucedida sequência de álbuns. Mas trata-se, contudo, de um exemplo de músico que sofreu um raro e benéfico processo de destilação, ou seja, à medida em que envelhecia na idade, ele trabalhava para valorizar-se e renovar-se com os mais recentes espamos de contemporaneidade: ao invés de se cristalizar com os clichês viciosos que o tempo impôs ao mainstream ou, no caso específico dele, ao chamado free jazz (ou avant-garde jazz, ou música improvisada, como queiram), ele se modernizou com a tendência do estruturalismo do jazz contemporâneo, unindo a composição escrita, a instrumentação arranjada e a improvisação livre -- essa em lotes, condicionada como um elemento composicional e não apenas como um elemento independente e abstrato -- para compor uma obra que não só ganhou consistência por sí só, mas que também começou a ser aclamada pelos críticos especializados. Essa tal transição do free jazz para o que chama-se hoje de modern creative -- isto é, se segmentarmos o processo através de rótulos empregados pela própria crítica especializada --, não foi só Mario Pavone quem a experimentou, mas a maioria dos veteranos chamados 'freejazzers' e, dentre estes, outros tantos de novos músicos, os quais também passaram a atuar rumo a uma tendência de dinamização interacional, estruturação composicional e re-arranjo instrumental da estética freejazzística, vide os avanços impostos por músicos que vão desde veteranos como o saxofonista David S. Ware e o contrabaixista William Parker, passa por músicos de transição como os saxofonistas Steve Coleman e Tim Berne e desembarca em músicos da nova geração como Matthew Shipp e Vijay Iyer. Junto à Pavone, por exemplo, alguns dos músicos que contribuem para o desenvolvimento dessa estética são o guitarrista Michael Mussilami, o saxofonista Tonny Malaby, o baterista Michael Sarin, o pianista Peter Madsen, o baterista Gerald Cleaver, o tecladista Craig Taborn, dentre outros.
Mas as curiosidades quanto ao trabalho de Mario Pavone não se dão apenas pelo fato dele ter resolvido deixar a carreira de engenheiro justamente após conhecer John Coltrane (ele esteve no funeral do saxofonista, em 1967, junto com uma multidão de músicos célebres, e ao som do sax tenor gritante e espiritual de Albert Ayler) ou por ele ter ficado três décadas apenas conhecido como um sideman eficiente e só agora, na terceira idade, ter se projetado como um líder e compositor aclamado. Mas questiona-se, também, a vigorosidade do seu toque e da sua técnica. Tanto que uma crítica publicada na revista New Yorker chegou a examinar a técnica de Pavone como "as working the bass strings with the force and persistence of a sculptor chipping away at granite", ou seja, segundo tal definição, ele parece trabalhar o pizzicato nas cordas do contrabaixo com a mesma força e persistência com as quais um escultor lasca e molda uma peça de granito -- essa foi a caracterização metafórica dada à vigorosidade do seu toque. E ele mesmo, em entrevista ao programa JazzSet, apresentado pela cantora Dee Dee Bridgewater, respondeu que seu toque forte e sonoro foi adquirido através da própria necessidade de impor sua sonoridade nos anos 60 e 70, numa época em que, além da estética musical do free jazz ser naturalmente barulhenta, ainda não havia a cultura do uso de amplificadores e pickups: "In the days I started, sometimes as the lone bassist among several horns and a couple of drummers, there weren't amplifiers or pickups. It was all acoustical playing — it just became part of my style, chiseling away" -- ou seja, mesmo que atualmente já haja amplificadores ultramodernos, seu som permaneceu estilizado através da própria necessidade que se tinha de impor um som alto, forte e sonoro no contrabaixo acústico (mais comum no free jazz do que o baixo elétrico, esse naturalmente amplificado).
A NPR (National Radio Public), a excelente rádio pública americana, acaba de disponibilizar, na íntegra, mais um número do programa JazzSet no qual Mario Pavone é abordado: o programa é apresentado originalmente pela cantora Dee Dee Bridgewater na legendária rádio WBGO (88.3 FM), de New Jersey. Este número apresenta o mais novo projeto de Mario Pavone: uma suíte intitulada "Arc Suite", que acaba de ser registrada em album e lançada ao mercado pela Playscape -- sendo esse o sétimo registro do contrabaixista na gravadora. Assim como todas as composições anteriores, Pavone reafirma, mais uma vez, seu estilo um tanto pessoal de composição e arranjo: as peças desta suíte, segundo ele próprio, são uma homenagem às suas quatro décadas e meia de carreira, englobando tanto as influências e experiências advindas do free jazz dos anos 60 e 70 como também os ganhos adquiridos com suas abordagens mais recentes, explorando o modern post-bop e o modern creative -- e é daí que surge, então, o nome 'Arc', pois esse é o nome de uma das suas bandas contemporâneas (vide o álbum Trio Arc, Playscape, 2008): ou seja, no caso desta gravação (registrada no Litchfield Jazz Festival, em Connecticut), o Arc, que é o nome da sua banda constituída de um trio, apenas denominou e estilizou o projeto que, na verdade, é protagonizado pelo seu sexteto chamado Orange Double Tenor, tendo ele, Mario Pavone, como contrabaixista e compositor, Jimmy Greene no saxofone tenor, Tony Malaby no saxofone tenor e soprano, Dave Ballou no trompete, Peter Madsen no piano e Gerald Cleaver na bateria. Ouça o programa através do link abaixo!
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