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Podcast - Perfil: o freebop rasante de Eric Dolphy, o pioneiro do avant-garde jazz que se inspirava em Charlie Parker e Edgar Varèse...


Olá senhoras e senhores! Sejam bem vindos a mais um podcast da série Perfil, onde apresento o perfil de ninguém mais ninguém menos que Eric Dophy, mestre da flauta, clarineta e saxofone alto. Abaixo, estão relacionados os álbuns que usei para delinear a personalidade do músico que foi um grito no cenário vanguardista americano dos anos 60, o músico que popularizou o uso do clarinete-baixo (o chamado clarone), o músico que lançou o Out to Lunch, um dos álbuns mais intrincados e sofisticados da história do jazz...Caso tenham a capacidade de ouvir música moderna sem enjoar, apreciem este podcast e outros registros da obra de Dolphy, sem moderação!!!

Iron Man (1963)

The Illinois Concert (1963)

Out There (1960)

Eric Dolphy In Europe Vol. 1 (1961)

The Quest (with Mal Wadron, 1961)

Far Cry (with Booker Little, 1960)

Hot And Cool Latin (1959)

Other Aspects (1960)

Out to Lunch (1964)



Eric Dolphy & Kenny Dorham
Nenhum músico -- talvez nem mesmo John Coltrane -- conseguiu emplacar uma carreira tão meteórica em tão pouco tempo como Eric Dolphy o fez enquanto instrumentista. Apenas em quatro anos -- de 1960 à 1964 --, Dolphy lançou obras primas inimagináveis até então, além de conseguir ser colaborador e parceiro de uma trupe de músicos vanguardistas em uma grande variedade de álbuns inovadores da época: tocou em álbuns como Percussion Bitter Sweet (como sideman do baterista Max Roach), The Quest (em parceria com o pianista Mal Wadron), Far Cry (em parceria com o jovem trompetista Booker Little), The Blues and the Abstract Truth (como sideman do saxofonista Oliver Nelson), Point of Departure (como sideman do pianista Andrew Hill), Free Jazz - A Collective Improvisation (como sideman de Ornette Coleman), Charles Mingus Presents Charles Mingus (como sideman do contrabaixista Charles Mingus), Ezz-thetics (com George Russell), Africa Brass e Olé Coltrane (ambos como sideman do saxofonista John Coltrane), entre outros. E o motivo pelo qual Eric Dolphy foi tão requisitado pela maioria dos músicos inovadores da época foi seu domínio técnico mágico e ao mesmo tempo ácido enquanto músico especialista em sopros, bem como sua maneira assustadora de tocar bebop, além da sua personalidade dotada de idéias vanguardistas advinda da sua apreciação da música oriental e da música erudita moderna -- ou seja, todo aquele virtuosismo cheio de facetas lhe rendia uma infinidade de novas idéias que ele podia usar tanto enquanto compositor em seus próprios discos como, também, enquanto improvisador nos discos dos outros músicos: som encorpado, intervalos endoidecidos entre os registros grave e agudo, rangidos, gritos, efeitos parecido com o canto e o coaxar dos pássaros, frases velozes que demonstrava sua fluência no bebop, improvisos livres...essas eram algumas das idéias que ele usava de forma tão espontânea e criativa quando tocava sax, flauta ou clarone. Eric Dolphy, de fato, enxergava a jazz music como uma arte de tanta capacidade estética quanto as artes plásticas: isso está explícito não apenas na sua forma de improvisar, de construir ou desconstruir uma melodia, mas principalmente na sua forma de compor seus temas: basta prestar um pouco de atenção nas linhas melódicas, harmônicas e rítmicas dos temas dos seus álbuns para perceber que ele tinha uma concepção diferenciada de música que ia além daquela concepção do jazzista que queria compor apenas standards agradáveis -- sua música, mesmo quando ainda explorava estruturas convencionais, já beirava ao atonalismo.

Eric Dolphy & Andrew Hill
Eric Dolphy & Elvin Jones

Mas Dolphy não começou a carreira entre os modernistas do free jazz e do post-bop de de Nova Iorque. Dolphy começou a carreira em Los Angeles, participando do cenário do "west coast" onde a vênia máxima ainda era o cool jazz e o third stream (estética jazzística denominada pelo uso de arranjos provenientes da música erudita). Tanto que seu primeiro álbum como líder foi o Hot, Cool and Latin, um álbum essencialmente de beleza cool. Em 1959 após excursionar por vários lugares com a banda do baterista Chico Hamilton -- o cara que o descobriu --, Dolphy se estabeleceu em Nova Iorque, onde começou a chamar atenção de músicos como Charles Mingus e John Coltrane. A partir daí, então, sua vida de músico foi intensa: entre idas e vindas, nos EUA e na Europa, todos queriam tocar com Dolphy. Porém, ao lançar seus primeiros álbuns em Nova Iorque, a crítica começou a denominar sua música como sendo "out", estranha demais, e até "anti-jazz": os títulos e o conteúdo musical de álbuns como Outward Bound (1960), Out Front (1960) e Out There (1960) contribuíram, em parte, para que o termo "out" (algo como "fora do normal") cristalizasse a visão que a crítica e o público tinha em relação à sua música. No entanto, sua maestria como flautista, clarinetista e saxofonista ainda permitia que ele tivesse um público considerável de espectadores, o que lhe colocava na mesma altura de músicos já famosos como Sonny Rolins e John Coltrane, que desde meados dos anos 50 já eram conhecidos do público nova-iorquino: basta ver a quantidade de gravações ao vivo feitas por Eric naquela época para constatar seu envolvimento com um público que, se não era amplo, era no mínimo curioso. Além disso, Dolphy incitava a curiosidade do público e da crítica também pelo fato de caminhar em duas direções paralelas: ao mesmo tempo em que tentava resgatar, ao seu modo, a impetuosidade do bebop parkeriano em seus álbuns, ele também participava do novo movimento do free jazz, ao lado de músicos como Ornette Coleman e John Coltrane -- isso parecia paradoxal, uma vez que o free jazz estava se distanciando não apenas da linguagem bop, mas de qualquer tradição ou linguagem dantes estabelecida. O fato de Dolphy gostar tanto da linguagem bebop advém do seu fascínio por Charlie Parker, o mestre do jazz que criou a linguagem do jazz moderno e que falecera em 1955 -- e por tocar bebop de forma gritante, impetuosa e livre, algumas das suas abordagens parkerianas foram categorizadas dentro de um sub-estilo denominado "freebop". O fato de Dolphy também se identificar com a nova vanguarda do jazz advinha do seu fascínio pela música erudita moderna de compositores como Schoenberg e Edgar Varèse, algo que fica patente no álbum "Other Aspects", também gravado em 1960. Em 1964, após participar da primeira fase do free jazz e após lançar diversos álbuns onde mostra sua admiração pelo bebop de Charlie Parker, Eric Dolphy lança sua obra prima maior, a obra que sintetiza o bebop, o free jazz e a música erudita moderna todos numa mesma composição esteticamente pessoal: o álbum Out to Lunch, outro dos álbuns onde a expressão "out" surge como uma denominação da sua personalidade inovadora. Poucos meses depois, Dolphy, que sofria de diabetes, deixaria este mundo, deixando uma obra de arte tão única que continuaria influenciando e inspirando não apenas seus contemporâneos, mas diversos músicos do jazz e fora dele: ele inspirou e influenciou gente que ia de Charles Mingus a John Coltrane, de Anthony Braxton a Frank Zappa, o rockeiro e compositor que, em 1970, lhe dedicaria uma composição instrumental chamada "The Eric Dolphy Memorial Barbecue" no álbum Weasels Ripped My, da banda Mothers of Invention.

Eric Dolphy & Misha Mengelberg

No podcast, tento mostrar as facetas que constituíram a obra de Dolphy, que é breve em termos de tempo, mas rica em termos de elementos criativos. Quem estiver interessado em explorar a discografia de Dolphy deve prestar atenção ao fato de que nem todos seus discos estão com uma qualidade de áudio impecável: gravações ao vivo como Charles Mingus Sextet with "Eric Dolphy - Cornell 1964" e In Europe (1961), entre outras, necessitam de um bom aparelho de áudio para serem ouvidas com mais nitidez. No entanto, há muitas gravações não apenas excelentes em qualidade de áudio como excelente, também, em qualidade musical. No topo desse post eu relacionei todos os álbuns que eu usei para delinear o perfil do músico: dentre eles, por exemplo, quatro álbuns de excelente material que devem ser vistos como álbuns indispensáveis para a discoteca de qualquer interessado em conhecê-lo a fundo são o Hot, Cool and Latin (1959), Far Cry (álbum de 1960, gravado em parceria com o grande trompetista Booker Little), Others Aspects (1960) e Out to Lunch (1964) -- todos, cada um, mostra uma faceta diferente que constituía sua personalidade musical.

Outro ponto interessante de onde se pode partir para explorar a discografia de Dolphy são suas parcerias: além de ter tocado ao lado dos principais leaders inovadores da sua época, ele, por exemplo, convidou os principais trompetistas da sua época para tocar em suas gravações: há álbuns dele com Freddie Hubbard (Outward Bound, Out to Lunch), Woody Shaw (Iron Man) e Booker Little (Far Cry, At the Five Spot). Aliás, algo que não falei no podcast, mas queria salientar aqui é sua emblemática parceria com o jovem trompetista Booker Little (que faleceria precocemente aos 23 anos, em 1961), uma das melhores parcerias da história do jazz e a melhor, na minha opinião, dentro da discografia "eric-dolphyana": álbuns como Far Cry, "Out Front" e os dois volumes de "Eric Dolphy at the Five Spot" evidenciam uma sintonia magistral dos dois músicos -- não fosse esses registros, talvez Booker Little não fosse hoje considerado um dos grandes nomes do trompete na história do jazz. Por fim, devo salientar que, em termos de fruição auditiva, os álbuns Others Aspects e Out to Lunch são os de mais difíceis audição para quem não é habituado a apreciar a música moderna. Depois do Out to Lunch, Dolphy ainda deixaria mais uma gravação: trata-se do álbum Last Date, gravado com o baterista holandês Han Bennink e o pianista ucraniano Misha Mengelberd (na foto acima), músicos europeus que iriam desenvolver a arte da improvisação livre nas décadas seguintes. De resto, deixo que a trilha traçada neste podcast norteie vossas escolhas auditivas. Boa Viagem!



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