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A "musical collage" de Bério, o alquimista que "picotou" os séculos!!!




O compositor e músico popular Tom Zé – esse ser “maltrapilho”, genial e irreverente, que foi tirado do limbo pelo roqueiro vanguardista David Byrne, após ter sido esquecido por todos nós brasileiros – tem uma canção chamada “A Babá” (do disco tropicalista “Tom Zé”, de 1971), onde ele faz algumas indagações um tanto instigantes: a canção começa com Rockefeller (provavelmente aquele que foi o maior magnata do mundo do início do século XX) acusando Branca de Neve (a linda princesa dos contos de fadas), fato esse que matou um dos sete anãozinhos de susto e dividiu os outros seis, os quais perguntavam “Quem é que está fazendo pesadelos na cabeça do século? Quem é que está passando dinamite na cabeça do século? Quem é que está passando pimenta na cabeça do século? E quem é que tá botando piolho na cabeça do século? Essa viagem tropicalista, nonsense e maluca de Tom Zé – explicitando, provavelmente, um conflito entre o real mundo capitalista com o mundo imaginário – sintetiza bem o período conflitante que foi o século XX em termos de arte: no caso da música enquanto arte em evolução, houve tantos conflitos entre “dogmas”, entre “certo” e “errado, entre o conservadorismo e a experimentação que até hoje ficamos sem poder tecer um consenso exato do que foi, de fato, totalmente relevante e aproveitável para as novas gerações. E quais foram os compositores que passaram pimenta na cabeça do referido século? Sempre é muito perigoso atribuir a maior importância a um compositor e diminuir os feitos de outro, diante de um vasto universo artístico como é o da música – ainda mais quando se trata da música erudita, onde se instaurou um festival de experimentações, rupturas com os padrões anteriores da linguagem musical ocidental, fusões de estilos e gêneros musicais diversos, associação da música com outras formas de artes modernas, descobertas de novas formas compositivas e descobertas de novos sons e ruídos, o que proporcionou, então, que cada compositor manipulasse esses novos elementos à sua maneira, o que, por consequência, também permitiu que cada compositor enriquecesse a música com seus próprios conceitos e suas próprias inovações, sendo esses, enfim, alguns dos feitos que geraram os mais ardorosos conflitos entre conservadores e vanguardistas. Aliás, a verdadeira arte costuma ser tão rígida e seletiva, independente de época, que mesmo diante de um cenário rico em transformações e pontos de vistas diversos, como foi o século XX – e que, portanto, foi diferente de todos os séculos anteriores, no sentido de não haver mais cânones e regras padronizadas –, nem todos os compositores considerados importantes foram capazes de desenvolver suas idiossincrasias musicais de forma tão original e impositiva como Schoenberg, Bela Bartók, Shostackovich, Stravinsky, Penderecki, Bério e Schnittke, compositores esses que combinaram estilo próprio com complexidade e experimentalismo de forma tão original, que até um um ouvinte leigo de olhos vendados saberia identificá-los num “blindfold test”, sem a necessidade de tê-los ouvido muitas vezes – algo que não aconteceu, por exemplo, com o compositor Pierre Boulez, um dos músicos experimentalistas mais importantes e protagonistas depois de Schoenberg, mas que, na minha opinião, careceu de maior identidade estética: ou seja eu não vejo em Boulez uma obra peculiar e expressivamente emotiva e nem um personalismo dos mais originais, talvez por causa do fato de que a maioria das suas obras (com exceção de uma ou outra peça, como Pli Selon Pli) apesar de embasadas em estudos seminais no ramo do serialismo integral, soam por demais abstratas, como se os sons fossem emitidos a esmo ou a música, em sua unidade, não fosse estruturalmente bem elaborada (inclusive, depois da fase dos experimentos que levaram ao advento do serialismo integral, Boulez seria adepto do conceito da música aleatória de John Cage, o que, de fato, faz com que ele apele para uma música protagonizada pelo acaso, deixando sua identidade ainda mais abstrata e refém do conceitualismo). Entretanto, mesmo não sendo costumeiro em afirmações categóricas e subjetivas em torno de supostos “maiores” ou “melhores” ou "mais importantes" que estão atrelados ao meu gosto pessoal ou não, neste post eu exalto o compositor italiano Luciano Bério como um dos três compositores europeus mais importantes da segunda metade do século XX – e digo isso sem querer passar a impressão de que tenho uma lista ou um ranking em mãos, ou seja, é apenas a minha opinião regada embasada por pesquisas ocasionais. Isto é, comparando Bério com os grandes gênios do século XX, tenho pra mim que ele foi, também, um gênio não só à altura deles, mas um gênio dos mais diferenciados: Stravinsky trabalhou a orquestração em prol de um exotismo rítmico e timbrístico até então inimagináveis (vide a Sagração da Primavera); Schoenberg criou o método da harmonia e melodia dedocafônica baseado em séries de permutação da escala de 12 tons (as 12 notas da escala cromática); Boulez foi pioneiro nas experimentações eletroacústicas e levou as séries permutativas para todos os parâmetros composicionais, formalizando aquilo que viria a ser chamado de “serialismo integral” (vide "Le marteau sans maître"); Stockhausen criou peças impactantes de “caos organizado” (vide “Gruppen” e "Klavierstucke"), além de intensificar suas pesquisas experimentais no ramo da música eletroacústica, vindo a influenciar não só toda a vanguarda erudita mas outras áreas da música (música pop, rock e afins); enquanto Bério, por sua vez, contribuiu desde à orquestração para conjuntos de câmera e orquestra sinfônica (vide “Sinfonia”), também passou com grande importância pela música eletroacústica (vide “Theme: Omaggio a Joyce”) e se concretizou na música vocal como um experimentalista desbravador através de obras nunca dantes visto na história da música (vide Folk Songs II e A-ronne). Mas Bério é interessante e diferenciado não só pela mobilidade e expressividade com as quais transitava entre esses três campos: música para orquestra (sinfônica ou de câmera), música eletroacústica e composições para vozes. Para além da sua obra mais conhecida, a impactante “Sinfonia” (1968-69) para 8 vozes e orquestra , Bério compôs uma pá de obras onde ele evidenciou um talento espetacular e um estilo muito peculiar no que se refere a “manipular” as várias descobertas que o antecederam, reunindo em suas composições recortes e elementos que vinham desde os tempos remotos do classicismo e romantismo até as descobertas da música moderna, o que também o coloca em posição de destaque como um pioneiro das técnicas da “collage in music” (ou “musical collage”) e do poliestilismo, ao lado do compositor russo Alfred Schnittke. Quer dizer, décadas antes o compositor americano Charles Ives – considerado por muitos o primeiro compositor de “alma” genuinamente americana, antes mesmo de Aaron Copland – prenunciou, em suas composições, a técnica da “musical collage” através de colagens constituídas de recortes diversos que englobavam desde efeitos politonais e cacofônicos até passagens de canções populares e de hinos sacros das igrejas protestantes americanas, mas só com Luciano Bério foi possível falar em “colagem” na forma extensiva tal como ela já ocorria nas artes plásticas: ou seja, Bério utilizou não apenas recortes (citações) de composições de diversos mestres da música (Mozart, Haydn, Beethoven, Schubert, Mahler, Shostackovitch, Gorécki), mas ele utilizou recortes de outras formas musicais “mundanas” (das músicas folclóricas de vários países ao jazz), bem como recortes de todo o tipo de literatura (partes faladas ou cantadas, em diversas linguas, de frases de livros ou peças, utilizando Dante, James Joyce, Samuel Beckett, Bíblia Sagrada, T. S. Elliot, Ezra Pound, Martin Luther King e muitos outros autores). Talvez assim, através da colagem, Bério começava a dar sinais de que dalí para frente, após os anos 60, a arte da música estaria entrando na fase de saturação, de não mais inventar novos métodos, experimentos e procedimentos, mas na fase de reconhecer as inovações e métodos já inventados e, portanto, misturá-los – e foi isso que ele fez: com a colagem, ele não apenas experimentava misturar diferentes técnicas e formas de música com elementos de outras formas de arte de diferentes séculos, mas procurava celebrar e dar crédito aos vários mestres e personalidades das artes e ciências os quais ele admirava.


A segunda estadia de Bério em solo americano, que durou de 1960 até 1970 – inicialmente como professor no Mills College (em Oakland, Califórnia) e, posteriormente, na Juilliard School (em New York) – somada às suas regulares visitas à Europa, seu habitat natural, proporcionou para que ele iniciasse, de fato, seu surto criativo em prol da miscigenação da escrita erudita com outras técnicas musicais e outras formas de arte, assimilando as várias expressões e possibilidades artísticas provenientes dos dois lados do planeta: a América e a Europa. Mas a “musical collage” evidenciada nas obras de Bério não é como um “medley americano” ou um “pout-porri brasileiro”, onde a intenção é simplesmente unir passagens de canções ou composições distintas num mesmo arranjo, fazendo com que o ouvinte tenha a real noção de que o que ele ouve são passagens sequenciais de músicas que ele mesmo já as conhece: trata-se, então, não só de usar passagens musicais diversas, mas principalmente experimentar a mistura de recortes diversos, a mistura de diversas linguagens, diversas técnicas de arranjos, diversas formas compositivas, bem como elementos diversos de gêneros musicais diversos – ora, veja você mesmo uma tela de Romare Bearden, mestre da colagem nas artes plásticas influenciado pelo jazz, e tente imaginar o “caos sonoro” que seria uma peça musical com aquelas mesmas característica, misturas de cores e imagens originadas de distintas formas visuais (fotos, anúncios de jornais ou de publicidade, palavras escritas, imagens pintadas à pinceladas convencionais, jorros e pingos não convencionais, todas essas formas e técnicas usadas numa só obra, numa mesma tela). A “musical collage” ou simplesmente “colagem” (ou “colagem musical”, como queiram) foi, portanto, a primeira tendência nas artes que trouxe a mensagem expressa de um esgotamento de invenções: na música, assim como já vinha ocorrendo nas artes plásticas, foi como se já em meados dos anos 60 os os compositores tivessem chegado a um consenso de que todas as possibilidades de descobertas radicais e possibilidades inventivas – música dodecafônica, serialismo integral, música eletroacústica, música aleatória e afins – já tivessem sido consumadas e exploradas, restando apenas misturá-las através de recortes e colagens – mais ou menos como também começaria a ocorrer tardiamente no jazz, a partir do final dos anos 90, onde os músicos começaram a usar várias técnicas, estilos e linguagens (como bebop, free jazz, rock, pop, hip hop, música eletrônica, world music e música erudita) num mesmo álbum e até numa mesma peça. Dessa forma, não faltariam exemplos de vários compositores pós-serialistas que passariam a utilizar, já a partir de meados dos anos 60, a “musical collage” como uma nova forma de se fazer música, o que possibilitou o surgimento de uma onda de compositores “ecléticos” nas décadas posteriores, “ecletismo” esse que pode ser considerado a principal verve do “pós-modernismo”. Em 1968, mesmo ano em que Bério anunciou a composição da sua “Sinfonia”, encomendada pelo maestro Leonard Berstein para o 125º aniversário da Filarmônica de Nova Iorque, o genial rockeiro Frank Zappa, por exemplo – como eu bem disse num recente post dedicado a sua carreira como compositor erudito (vide tag “Frank Zappa” na sessão “Arquivos por Nomes, na lateral do blog), lançou o álbum “Lumpy Gravy” (gravado junto com uma orquestra chamada Abnuceals Emuukha Electric Symphony Orchestra), um registro pioneiro da técnica da colagem na música pop, fora dos meandros da música erudita moderna mas com elementos dela: o álbum constitui-se de peças com influências da música concreta, colagens de recortes orquestrais, manipulações elétricas e eletrônicas e palavras faladas. Já “Sinfonia”, por sua vez, foi um dos exemplos mais contumazes de colagem musical e umas das obras do século XX de maior impacto ao público e à crítica, quase da mesma magnitude do rebuliço causado pela estréia da Sagração da Primavera de Stravinsky, em 1913 no Théâtre des Champs-Élysées, em Paris – só que, dessa vez, o mundo já estava acostumado com revoluções artísticas e os ouvidos das pessoas já estavam mais experimentados aos ruídos das cidades urbanas e das novas músicas da era moderna, o que proporcionou que o público e a crítica agisse em polvorosa sem prescendentes em Nova Iorque, mas de forma positiva, ao contrário das vaias que Stravinsky recebeu do público parisiense, tendo até que se esconder, aflito, no camarim do teatro. Há um registro raro da "Sinfonia" gravada com a Filarmônica de Nova Iorque e o grupo vocal Swing Singers sob a regência do próprio Bério, mas o registro mais fácil de ser encontrado é o gravado em por Pierre Boulez à frente da Orquestra Nacional da França e do grupo vocal New Swing Singers: neste registro ainda contém mais uma peça de Bério, essa chamada Eindrücke (escrita em 1973-74).





















 Laborintus II - Segunda Parte

A nova sinfonia de Bério constituía-se cinco movimentos – organizados numa estrutura totalmente herege em relação aos padrões da sinfonia clássica e romântica, diga-se de passagem – e reunia um conjunto de material que era nada menos do que uma síntese das muitas expressões artísticas e filosóficas evidenciadas até então, englobando partes recitas em línguas como francês, italiano, inglês e alemão: o primeiro movimento traz um coral solene com uma melodia que nos remente à uma antiga missa religiosa salpicados por palavras faladas, pequenos fragmentos do livro O Cru e o Cozido (Le Cru et le cuit ), estudo que o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss escreveu baseado nos índios brasileiros; o segundo movimento é dedicado totalmente à memória do pastor americano Martin Luther King, morto em abril daquele mesmo ano de 1968: intitulada simplesmente “O King”, este movimento consiste em um coral solene que repete sempre as mesmas notas ao fundo (em intervalos de terça e quarta), enquanto o piano acrescenta ecos de notas destacadas na superfície; o terceiro movimento é mais uma composição montada do que escrita, é o emblemático ponto que representa a técnica da “musical collage” de que falo: os excertos sonoros usados foram recortados de quase duas dezenas de compositores – entre ele Debussy, Ravel, Stravinsky, Schoenberg , Webern , Brahms , Pousseur , Hindemith e até Boulez e Stockausen, com maior destaque para as citações da Sinfonia nº 2 de Mahler –, enquanto as palavras e fragmentos literários foram recortados de romance O inominável de Samuel Beckett, incluindo referências a James Joyce, frases faladas pelos graduandos de Harvard, slogans escritos pelos estudantes nas paredes da Sorbonne durante a Revolução de Maio de 1968 em Paris e palavras do próprio compositor; os outros dois movimentos, o quarto e o quinto, são como “coda” e “finale”, respectivamente. Mas “Sinfonia” foi precedida por uma peça igualmente espetacular em colagens, mas pouco divulgada hoje em dia: a Laborintus II, uma peça próxima ao teatro, uma espécie de música com happening que se dividia entre o dramático e o cômico. Composta entre 63 e 65, “Laborintus II” foi encomendada pelas rádios francesas e italianas para celebrar o 700 anos do nascimento de Dante e foi gravada em 1969 pelo Musique Vivant Ensemble, em Paris, sendo lançada neste mesmo ano pela gravadora Harmonia Mundi e recebendo eventuais reedições através de gravadoras como RCA, BASF e a própria Harmonia Mundi: trata-se de uma adaptação teatral e musical da obra original chamada “Laborintus”, um libreto escrito pelo poeta Edoardo Sanguineti, amigo do compositor. Nesta peça, com duração de mais ou menos 35 minutos e dividida em dois atos, Bério combina ao menos cinco elementos musicais: espasmos dissonantes de brilhantismo orquestral (com um ensemble reduzido, de mais ou menos 15 instrumentos), coral de vozes fazendo uso de resmungos e resquícios de canto lírico, efeitos de eletroacústica através de fita magnética, passagens inspiradas no jazz e, enfim, partes faladas, nas quais os narradores recitam frases não apenas do libreto de Sanguineti, mas utilizam materiais de Dante (Divina Comedia, Vita Nueva) , Bíblia Sagrada, T. S. Eliot e Ezra Pound. A utilização do walking bass jazzístico na segunda parte remete às experiências auditivas que ele teve nos EUA: pois além de ter sido professor de compositores e músicos americanos que gostavam de jazz como Steve Reich (que se tornaria o grande compositor da música minimalista) e Phil Lesh (contrabaixista, amante de free jazz e fundador da banda de rock pregressivo Greateful Dead), nas horas de folga ou depois das suas aulas na Juilliard, Bério pulava no seu carro, um Buick conversível, e ia “arejar” os ouvidos em clubes de jazz de New York – e dado a época em que viveu, nesta sua segunda estadia americana, de 1960 à 1970, é bem possível que Bério tenha “arejado” os ouvidos com as improvisações incendiárias de músicos libertários da época, como Charles Mingus, Ornette Coleman, John Coltrane, Eric Dolphy, Albert Ayler, dentre outros.





















Ademais, Bério tem um conjunto significativo de obras gravadas que são genialmente relevantes enquanto marcos da composição erudita moderna e contemporânea, sendo um dos poucos compositores experimentalistas que conseguiram manter suas obras sendo executadas e gravadas ocasionalmente pelas grandes orquestras mundo, conjuntos de câmera e músicos aficcionados pelas vanguardas do século XX – quer dizer, ele foi um experimentalista coerente que soube manipular todo o material que ele pôde reunir, sem deixar de lado a necessária ponte entre música contemporânea e a tradição erudita, o que, por consequência, lhe tornou tão libertário quanto Boulez e Stockhausen e tão coerente quanto Stravinsky e Penderecki, dois compositores que souberam utilizar as técnicas do vanguardismo mas que, de repente, sentiram a necessidade de enfatizar suas origens clássicas, (muito embora, Bério nem voltou-se exclusivamente para a música tonal e nem voltou-se exclusivamente para as formas passadas do classicismo e romantismo, como Penderecki fez – de forma muito original e pessoal , inclusive – nas últimas décadas). Para além de “Sinfonia”, um outro exemplo de obra que entrou definitivamente para o repertório obrigatório do século XX é a “Sequenze”, uma série de 15 peças para 15 instrumentos – viola, violino, saxofone, guitarra, harpa, violoncello, piano e etc – chamadas “sequenzas” iniciada em 1958 e concluída em 2002: trata-se de peças de um considerável teor técnico que exploram as possibilidades e a capacidade dos instrumentos solos, englobando não apenas a velocidade ou passagens complicadas, mas visando a técnica de forma generalizada, englobando timbre, tensão, dinâmica, intervalos, harmônicos e etc. Mas, como já foi frisado, o universo de Bério é vasto, ainda que o número de composições conhecidas seja tímido em relação a outros compositores que compuseram centenas e mais centenas de peças: além das obras orquestrais (sinfônica ou de câmera), das obras focadas na exploração vocal e das suas pioneiras peças eletroacústicas, ele foi um notável compositor de óperas e um regente especialista na tradição erudita, conhecendo a fundo desde Monteverdi, passando por Schubert até aportar-se em Mahler, sem contar sua vasta experiência em manipular o material moderno. Para quem quer se aventurar no universo operístico de Bério, pode começar pela Un Re in Ascolto: composta entre 1981 e 83 sob a influência do escritor Ítalo Calvino, baseada num libreto sobre Shakespeare chamado The Tempest (escrito no século XVIII por Einsiedel Friedrich e Friedrich Wilhelm Götter), a ópera foi gravada em sua estreia no Kleines Festspielhaus, Salzburgo , em 07 de agosto de 1984, conduzida por Lorin Maazel à frente da Filarmônica de Viena -- inicialmente lançado em LP, o CD, a obra pode ser encontrada encontrado facilmente no formato CD em sites de compra on-line como Amazon e CD Universe. Quem, porventura, não gosta de ópera, mas gosta de concertos e obras orquestrais contemporâneos, pode se aventurar para além de “Sinfonia” para conhecer outras facetas orquestrais de Bério, procurando, de início, mais dois LP's ou Cds que também contém um material sonoro muito gratificante e que podem ser encontrados nos sites de compra com alguma facilidade: um deles é o registro feito em 1989 pelo Ensemble InterContemporain (lançado pela Sony Classival, em 1990), conduzido por seu fundador Pierre Boulez, que é constituído de cinco peças distintas, duas delas avulsas e as outras três tiradas da série de peças chamadas “Chemins” e “Corales”, que são transcrições e adaptações orquestrais para suas “Sequenzas”, originalmente escritas para instrumentos solos: trata-se, então, de “Corale” para violino, dois trompetes e cordas (escrito em 1981, baseado em sua “Sequeza VIII” para violino solo), “Chemins II” para viola e nove instrumentos (escrito em 1967, baseado em sua “Sequenza VI” para viola solo), “Chemins IV” para oboé e ensemble (escrito em 1969, é baseado na “Sequenza VII para oboé solo) e, por fim, as peças Ritorno Degli Snovidenia para violoncello e ensemble e Points on the Curve to Find para piano e 22 instrumentos; o outro CD é o fantástico Rendering (RCA Victor, 1998) com a brilhante London Symphony Orchestra, conduzida pelo próprio Luciano Bério: o disco traz seu Concerto II (Echoing Curves) para piano e dois conjuntos orquestrais, traz a impressionante peça “Rendering” (escrita em 1989/90), em três movimentos, uma recriação fantástica da bela “Sinfonia Inacabada” de Schubert (sua Décima Sinfonia em Ré maior, a qual ele estava tentando concluir antes de falecer em 1828) e, por fim, traz quatro variações originais da peça Ritirata Notturna Di Madrid, escrita no século XVIII pelo compositor Luigi Boccherini sob encomenda da corte espanhola – daí, ve-se o talento de Bério como regente e compositor, sobretudo seu talento em “manipular” materiais de várias épocas da música clássica e moderna, evidenciando, aí, um contraste entre a música moderna e as músicas clássica e romântica. Luciano Bério foi, enfim, uma espécie de “alquimista” da música moderna do século XX, um experimentalista que, por não ser dado nem à abstração gratuita e muito menos ao melodismo, estava sempre à procura de algo inusitado, algo entre o dramático e o cômico, algo entre o cacofônico e o arranjo bem orquestrado: suas transcrições de peças de outros compositores não são apenas transcrições, mas adaptações de tais peças para seu universo particular; a maioria das suas composições orquestrais não traz engodos nem ao vanguardismo nem à supremacia da música erudita diante de outras músicas ou de outras formas de arte, mas eram reais formas de intercâmbio não só entre vanguarda e tradição, mas entre as mais diversas manifestações artísticas, inclusive deixando espaços para o improviso; e se sua orquestração não era tão exótica quanto a de Shostakovitch ou a de Stravinsky, seu conceito de musicalidade e dinâmica era um tanto apurado, e seu conceito de timbres o deixava perto de Varése. Aqui está, então, um resumo das minhas preferências de música orquestral e de concerto relacionadas à obra de Luciano Bério: além das curiosidades inerentes ao exercício de criação do compositor, falei da sua “Sinfonia”, da peça “Laborintus”, citei suas Sequenzas, citei sua magnífica ópera Un Re in Ascolto e, por fim, falei dos álbuns Rendering (com a maravilhosa Orquestra Sinfônica de Londres) e o com Pierre Boulez à frente do seu Ensemble InterContemporain, esse reunindo as peças Corale, Chemins II e IV, Ritorno Degli Snovidenia e Points On The Curve To Find – procurem esse material e boa diversão! Eventualmente falarei mais sobre este gênio: principalmente sobre sobre suas experiencia no ramo da eletroacústica e no ramo da música vocal, onde ele foi muito mais do que um pioneiro: foi um desbravador!!! Clique sobre as fotos para acessar outras fontes de pesquisa. Abaixo, um vídeo com trechos de "Laborintus II", com o Ensemble InterContemporain, legendária orquestra especializada em música erudita do século XX fundada por Pierre Boulez (detalhe: esta versão em vídeo está muito aquém da versão da gravação feita por Boulez, mas fica aí como um ilustrativo):



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