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A (ir)relevância dos Standards no Jazz Contemporâneo

Como este assunto sempre gera polêmica, sugiro despirmos de nossas paixões pessoais afim de enxergarmos pelo ângulo racional de análise empírica. A questão aqui não é tirar o mérito e a importância dos chamados standards do Jazz. Em primeiro lugar, devemos entender o que são realmente estas composições que se tornaram tão familiares no repertório do chamado Jazz. Stella by starlight, Love for sale, My funny valentine são canções populares norte americanas como aqui temos Trem das onze, Aquarela do Brasil, e etc. Os músicos de Jazz além de suas próprias composições, executavam estas músicas porque faziam parte de seu cotidiano, de sua cultura, de sua época. Muitos músicos de Jazz comporam músicas que também se tornaram populares e se tornaram standards do Jazz, como Ellington: Mood Indigo, Billy Strayhorn: Take the 'A' Train, Charlie Parker: Now's The Time, Bobby Timmons: Moanin', e muitos outros.

De acordo com alguns dos artístas que criaram a linguagem musical que à princípio recebeu o nome de "jazz" - no sentido depreciativo de música profana feita pelos negros norte-americanos e depois se manteve esta denominação por costume e facilitação mercadológica e classificatória - esse gênero sempre foi visto apenas como música. Duke Ellington repreendeu Dizzy Gillespie por dizer aos jornalistas que a sua música era Bebop, o nome de uma de suas composições. Max Roach em uma de suas últimas entrevistas disse que não ouvia jazz, mas apenas música. Charles Gayle não se vê como um músico de freejazz ou avant-garde, mas um músico de jazz por sua formação e suas influências jazzísticas. Ben Allison, baixista de New York, um dos fundadores do The Jazz Composers Collective, um dos responsáveis pela renovação do cenário do Jazz em N.Y., citado como o melhor baixista por três anos consecutivos pela revista Downbeat, além de aclamado como melhor do ano na Billboard, The New York Times, The Boston Globe, The Village Voice, Jazz Times, Jazz Journalists Association, Downbeat Critics Poll, All About Jazz, Coda (Canada), and Jazz Review (UK), etc., disse algo muito oportuno sobre o Jazz e os standards: "Eu não renego a importância dos standards no Jazz, mas no Jazz contemporâneo, não há mais sentido executá-los, pois já não fazem parte do nosso cotidiano, isso se quisermos manter o verdadeiro sentido do Jazz, a não ser que desejemos transformá-los em música de repertório, como o que predomina na música erudita clássica. O que conhecemos como standards do Jazz eram canções populares da época dos músicos consagrados, soavam nas rádios e no cotidiano deles".

Então, os músicos que tem mais visibilidade da mídia como Greg Osby, Steve Coleman, Jason Moran, Joshua Redman, James Carter, Don Byron, por exemplo, estão sendo coerentes com os princípios do Jazz, executando e criando arranjos para músicas populares contemporâneas americanas, mesmo que muitos apreciadores não apreciem. Wynton Marsalis também faz o mesmo, não é só o seu trabalho de preservação histórico-cultural. Herbie Hancock fez homenagem à Gershwin, mas também fez à Joni Mitchell e se associou ao baixista Bootsy Collins que tocou no JB's, Parliament, chegando a gravar projetos de música eletrônica ligado ao Hiphop. Outro dos maiores exemplos: Max Roach. O lendário baterista - que foi o último a partir da era do Bebop - no início dos anos 80 se associou ao Hiphop. Um jornalista o indagou porque estava se envolvendo com "aquele tipo de gente". Max Roach simplesmente disse: "Por que não?" Então disse que aquela época com Dizzy, Parker, Miles, fora maravilhosa, mas não havia mais sentido tocar aquele tipo de música e isso(tocar com o pessoal do rap), é o que o fazia prosseguir, que o mantinha vivo.

6 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Rubens. Concordo contigo! Aliás, a matéria prima daquilo que convencionou-se chamar de "jazz" é a própria renovação estilística e formal. Ou seja, se o jazz - a partir de sua expressão musical - conseguiu se manter vivo até hoje, isso se deve, justamente, às abruptas mudanças que, de tempos em tempos, assolam os "movimentos" e renovam não apenas o mercado sobre o qual estão assentados, mas também os limites de sua expressividade e representação.
Dessa forma, não dá pra se entender (e gostar) do jazz sem levar em consideração as renovações pelas quais passou, e ainda vai passar, o jazz. Ben Allison, citado por você em sua postagem, tem dito isso nas entrevistas que tem concedido à imprensa.
E a coisa não seria diferente com o standards. Eu, particularmente, considero os standards, os temas clássicos do jazz, como porta de entrada desse estilo musical. Os temas clássicos, sobretudo hoje, estão mais para "leituras iniciantes", que propriamente o lugar para grandes interpretações. Houve tempos em que os standards serviam pra isso: mostrar as habilidades técnicas e inventivas de músicos sobre temas conhecidos do grande público, isso, por sua vez, possibilitava ao público reconhecer o tema em questão e também ter contato com novas formas de se improvisar sobre aquele mesmo tema.
Hoje, entretanto, e daí acredito ser o motivo de sua postagem, Akira, os standards não constituem mais espaço de recepção de novos músicos, mas para a cristalização de uma cultura musical já consagradas a partir de seus grandes ícones.
Desse ponto de vista, os standads cumprem um papel mais comercial do que nunca. Não servem mais de elemento iniciático para apresentação de novas técnicas e novos músicos, mas apenas reafirmam velhos modelos e movimentos, que têm importância vital para o jazz, mas não determinam o seu percurso na cena musical contemporânea.

Anônimo disse...

Me sinto obrigada a concordar com você em um ponto. Na verdade, o jazz atual está bem mais ligado no terreno experimental e de novas explorações (no fundo, falamos de free jazz) do que na recuperação ou reinterpretação de standards do jazz. Agora, não me parece salutar ou sequer desejável que os músicos contemporâneos abandonem esse imenso legado de quase um século. Até porque, como me diz a minha experiência de 20 anos de ensino de música, a maior inovação se inspira sempre no que está para trás. Não defendo uma atitude reverencial com relação aos standards mas sinto necessidade de mostrar aos meus alunos esse passado a que eu insisto em voltar. Esse link é um bom ponto de partida
http://cotonete.clix.pt/ouvir/radios/tematica.aspx?id=2
e é a ele que eu recorro mais vezes em minhas aulas.

Anônimo disse...

...


complementando os ricos comentários do Rodrigo e da Augusta: eu tenho pra mim que, pelos estudos que faço no dia-a-dia durante minhas apreciações, os standards não é só imprencindível como forma de manter o Jazz atual com uma ponte na tradição como também é essencial para formar o público e o músico iniciante, além de significar um ponto de partida para a renovação e inovação como bem diz a frase da Augusta:

" a maior inovação se inspira sempre no que está para trás."

existe até estudiosos que dizem que o conceito de pós-modernidade está, hoje, atrelado mais em renovar e inovar a partir de um marco zero (leia-se tradição) do que inventar novos conceitos, já que as artes em geral chegaram a um ponto de experimentação e abstração conceitual intendível e incapaz de sintetizar as essências humanas, os sentimentos humanos. Existem ainda estudiosos que dizem que a vanguarda virou um rótulo apenas para efeito de classificação, pois o conceito de vanguarda está em desuso numa época onde a tendência não é inventar, mas sim reinventar a partir das experiências passadas: qual seria o avanço do Free-jazz, por exemplo? Seria possível proliferar a livre improvisação e cacofonia mais do que fizeram Albert Ayler e Peter Broztmann?

esse conceito de que o free jazz é o ponto mais alto da inovação não só não existe mais como foi rebatido e rechaçado pelas novas gerações: o free jazz virou sinônimo de inovação enquanto uma nova possibilidade de improvisação criada por Ornette Coleman e Cecil Taylor, mas também virou sinônimo de pastiche e invencionice...virou sinônimo de desdém às formas mais elaboradas de composição escrita, leitura e releitura musical...virou aquele barulho proporcionado pelo experimentalismo sem causa e propósito.


...o culpado por essa volta e revolução revivalista é Wynton Marsalis. A partir da força das idéias de Marsalis, o cenário de músicos cresceu absurdamente, o que fez com que, a princípio, o jazz americano se retardasse na tradição: ao meu ver isso nunca foi um fenômeno reacionário, pois é o marco zero para uma nova era de renovação e inovação da arte do Jazz e, além disso, é incorreto afirmar que as roupagens de discos dessa geração passada de Young Lions são iguais aos do mestres do passado, mesmo quando eles se limitaram a apenas recriar os standards: e aí, com a recriação dos standards, surgiu a necessidade de renovar e resgatar o público do Jazz, recolocar o Jazz como música popular e de mercado como ele sempre foi desde o início...esse fenomeno atingiu proporções universais, fez crescer o público de Jazz no mundo e elucidou os músicos de jazz de vários países - até mesmo os mais experimentalistas - a retomar seus conceitos de progressividade, a estilizar e popularizar as técnicas e experimentos alcançados nos pontos mais altos do Jazz Moderno e do Free Jazz

vejam o que fazem hoje músicos como Dave Douglas e Ken Vandermark:

eles compõe na forma escrita como Monk e Duke compunhm, eles estão antenados com a tradição e mostram isso em seus álbuns, eles tiveram que se adequar à essa nova necessidade de partir de um marco zero para reinventar o free jazz, a partir de, inclusive, standards...

mas esse tópico também me fez cair de joelhos para aspectos da contemporaneidade os quais eu nunca apreciei: por exemplo, a celebração de artistas populares por músicos de Jazz como fez Herbie Hancock com as músicas de Joni Mitchell...


o akira tem razão: no início era assim também...


...

Unknown disse...

Entendo, mas o que eu quis dizer mesmo é que o standard em sí(uma composição de Gershwin, Porter,etc), não é a essência, a raíz do que se convencionou a chamar de Jazz. Se um músico faz uma interpretação de uma música do Nirvana por exemplo, isso é um standard, só que contemporâneo, mas não deixa de preservar o princípio do Jazz, o processo é o mesmo.

Vagner Pitta disse...

...


talvez não seja mesmo a raiz, mas sempre foi um ótimo veículo de levar o Jazz às pessoas...de popularizar arte do Jazz aos neófitos...desde o começo com as canções de Cole Porter...


...interessante essas questões, Akira!

Unknown disse...

Uma coisa são músicos com uma já vivência de décadas no jazz, como os citados Herbie Hancock, Max Roach, Greg Osby, Steve Coleman, Jason Moran, Joshua Redman, James Carter, Don Byron e tantos outros, DEPOIS DE MEIA VIDA de aprendizado tocando standards, aprendendo e assimilando todas as raízes do jazz, sua linguagem ( por 'meia vida ' entenda-se : décadas...)daí lançarem-se em outros universos e abolirem os standards ( de certa forma ), aí sim, a base já está fragmentada neles, eles podem partir para fundir linguagens, criarem novas formas, misturarem-se com outros músicos, etc, etc.. Já outra coisa são pessoas com 20 a 30 e poucos anos, que não tiveram essa base, ou mesmo pessoas mais velhas acharem que podem pular etapas ou que porque ouviram uma fagulha do que um desses disse, que aí então podem pegar e abolir standards ou as raízes do jazz. Quando dizemos ' Ah Max Roach ou Herbie disseram tal coisa '...será que lembramos, profundamente, será que pesquisamos a fundo sobre como foram as bases deles? Quanto estudo, quanto tempo, esforço, aprendizado da linguagem tradicional do jazz não foram necessários para que eles chegassem aonde chegaram? Esses caras todos tem uma BASE, que leva anos para ser formada...as pessoas gostam de falar do Coltrane, da fase avant-garde, do free, porém ele passou décadas tocando e assimilando a base, só assim pôde desenvolver seu estilo e evoluir como improvisador. A interpretação do que disse Max Roach '' Então disse que aquela época com Dizzy, Parker, Miles, fora maravilhosa, mas não havia mais sentido tocar aquele tipo de música '' tem-se que prestar atenção ao '' não havia MAIS sentido '' ; sim, não havia mais, MAS houve e muito. Existe toda uma escola por detrás desses caras todos, nenhum deles chega aonde chegou pulando etapas, está enganado quem pensa isso e eles de maneira alguma abolem a escola dos standards e das bases do jazz. A gente pode pegar quem for, um Barry Altschul por exemplo teve uma base de rudimentos, da linguagem do jazz, aprendeu a forma, um Braxton idem, Sam Rivers, Sun Ra, todos esses...Hermeto passou anos tocando standards na noite, Airto também...só muito depois começaram a criar uma maneira de tocar, um estilo e a desenvolverem música mais '' aberta '', livre. Como dizia Art Blakey ( está em seu livro ' Jazz Messages ' ) : '' Liberdade sem disciplina é caos ''.

Outros Excelentes Sites Informativos (mais sites nas páginas de mídia e links)