Estou para acreditar que a guitarra -- falo da elétrica, semi-acústica, muito usada no jazz moderno e recentemente resgatada com ímpeto no jazz americano contemporâneo -- finalmente está fincando seu espaço na música instrumental brasileira contemporânea, isso desde o início dos anos 2000. Não que nunca tivemos bons guitarristas -- Hélio Delmiro foi um dos pioneiros, e quem acompanha a música instrumental sabe que há outros excelentes, inclusive contemporâneos --, mas é animador perceber que no Brasil, país onde o reino das cordas era sempre dominado pelos violonistas do samba e choro, a guitarra de estilo mais contemporâneo começa a ganhar mais adeptos e mais expoentes. Recentemente, por exemplo, conheci João Paulo Gonçalves, mais um guitarrista de fluência e musicalidade excelentes. Era maio de 2010, quando eu estava cobrindo o festival Bridgestone Music, em Moema: na ocasião, fui convidado por João para ouvir algumas faixas do seu primeiro disco que estava em gestação -- sem muito tempo disponível, ouvi apenas uma faixa, a "Samba em Corda Bamba", e logo de cara ví que tratava-se de um samba instrumental com nuances contemporâneas e, a partir daí, pensei: se o restante do disco for assim, será interessante. Com a correria, não me inteirei da carreira de João -- apenas trocamos algumas idéias curtas sobre música e, ao despedirmos, eu lhe desejei sucesso e disse que ficaria no aguardo do disco para, se possível, divulgar aqui no blog. Pois bem: acaba de me chegar às mãos o disco Sincronicidades, lançado por João e seu quarteto em meados de 2010 -- e para a alegria daqueles que buscam escutar novos músicos brasileiros que sejam capazes de compor e tocar já fora dos clichês do choro, bossa nova e samba-jazz, este disco apresenta uma sonoridade de mix muito interessante: ele apresenta, sim, rítmos tradicionais brasileiros, mas o faz de uma maneira tênue, contemporânea, sem arestas folclóricas, sem soar antiquado e passadista. Proveniente do Conservatório de Tatuí, um dos mais renomados celeiros da música no Brasil, João Paulo Gonçalves desponta não apenas como um dos mais novos dentre os principais guitarristas paulistanos, mas como mais um dos novos representantes do jazz brasileiro de nuances contemporâneas -- ou da música instrumental brasileira contemporânea, se assim o preferirem chamar.
Também conhecido entre os músicos como JPG, o guitarrista teve seu primeiro contato com a música através do violão, ainda na infância. Aos 13 anos iniciou seu aprendizado neste instrumento. Posteriormente ingressou no curso de MPB&Jazz do Conservatório de Tatuí (1998), na Faculdade de Música Carlos Gomes (2001) e no Curso de Licenciatura em Música do Unasp (2006). Já em sincronia com os estudos, começa a participar do excelente conjunto orquestral Vintena Brasileira, grupo liderado pelo pianista André Marques (integrante do Hermeto Pascoal & Grupo e do trio Curupira). Sendo guitarrista do Vintena por seis anos, gravou o disco “De Baque às Avessas” e participou de várias apresentações em renomados espaços da música instrumental Instrumental Sesc Brasil (Sesc Paulista), 2º Mostra Brasil Instrumental (Conservatório de Tatuí) e de várias festivais por todo o estado de São Paulo -- algumas apresentações com apoio do Governo Federal (Petrobrás). Como colaborador, atuou em diversas formações musicais acompanhando músicos, cantores e bandas como Arthur Maia, Léo Gandelman, Serenata Brasileira (Campinas), Tatiana Rocha (Campinas), Grupo Comboio, Marcos Paiva Quarteto, SP Combo (com Rubens Antunes, Cleber Almeida, Alberto Lucas, Cássio Ferreira e Daniel D´Alcantara), dentre outros. Em 2008, já se destacando como compositor, participou do 2º Festival Guarulhos Instrumental (2008) com sua música “Frevo pra Cachorro”, a qual abriu o show do Hermeto Pascoal e Grupo. Como educador, atuou nos conservatórios Carlos Gomes (Campinas-SP) e no Conservatório de Tatuí (como professor bolsista). Em 2009, João muda-se para São Paulo, onde inicia uma nova fase da sua carreira como instrumentista e educador, vindo a lançar seu primeiro disco “Sincronicidades” no projeto “A Voz do Instrumento” no Sesc Pompéia, tendo o saxofonista e pianista Vinícius Dorin como convidado especial.
Do Interior - João Paulo Gonçalves
Do Interior - João Paulo Gonçalves
Sincronicidades, primeiro disco de João Paulo Gonçalves -- e totalmente autoral --, é a síntese de um novo momento sob novas áureas, novos climas, novos cheiros, novas amizades, uma nova paisagem urbana, uma sincronia de influências diversas: um músico, proveniente do Conservatório de Tatuí – que fica no interior paulista, um aclamado ninho de excelentes instrumentistas – buscando espaços para sua música em São Paulo, capital. Como é de se esperar de um quarteto enxuto e acústico, o interessante é que a influência dessa nova paisagem urbana não está cristalizada no uso de muitas parafernálias com timbres elétricos ou eletrônicos – como já se usou muito na história da música: uma alusão de timbres eletrônicos-fusionistas com os rítmos e ruídos urbanos –, mas a timbragem da guitarra elétrica (semi-acústica), com uma reverberização tênue – que, às vezes, parece soar como um piano Rhodes –, e as próprias harmonizações das músicas já nos trazem imagens de uma paisagem urbana cheia de momentos nostálgicos e alegres. Com um discurso jazzístico fluente, liso, cristalino, e de sotaque preponderantemente brasileiro – mas sem soar folclórico, quadradinho ou tradicional, apesar das suas bases estarem fincadas na tradição da música brasileira –, o guitarrista soube muito bem variar e dosar as influências para que não soasse repetitivo ou deixasse que seu som fosse taxado como uma cópia de outros: ou seja, em Sincronicidades o ouvinte se depara com um mix de elementos que inclui harmonia bossanovina, levadas de samba-jazz, baião, frevo, baladas com a poética do choro, temas e improvisos em compassos ímpares e uma pegada de jazz mais perto do post-bop contemporâneo – influencias sonoras, enfim, provenientes da moderna “escola de Tatuí”, onde ele estudou e onde novos expoentes da música instrumental brasileira, como o Trio Curupira e o grupo Mente Clara, passaram a desenhar uma interessante aquarela musical que vai de Hermeto Pascoal ao jazz mais contemporâneo. A primeira faixa Samba em Corda Bamba, como o próprio nome diz, é um samba-jazz bem paulistano. A segunda faixa “Soturno” é um excelente exemplo de jazz contemporâneo – meio ao estilo do post-bop, como foi citado – , mas com um leve toque de brasilidade na harmonia e nos fraseados: interessante, nesta faixa, como o quarteto varia muito bem no walking bass e na levada rítmica sem, contudo, soar picado, fragmentado. O álbum atravessa uma sequência de temas imagéticos – como, por exemplo, “Do Interior” e “Chuva na Praia”, nas quais inevitavelmente somos convidados a imaginar as imagens que o compositor quis expressar –, passa por Choro Contido, uma balada com a poética do choro, e desembarca em Frevo pra Cachorro, um frevo em compasso ímpar que lembra um pouco a forma de Hermeto Pascoal tratar o rítmo nordestino. Sincronicidades marca, enfim, não só a estréia deste excelente guitarrista enquanto líder, mas também nos mostra o novo momento pelo qual a música instrumental brasileira passa: isto é, não trata-se de um álbum produzido com a intenção de criar algo novo ou revolucionário mas é, com certeza, mais um exemplo da nova safra de excelentes músicos brasileiros (neste caso, paulistas e paulistanos) que estão fazendo um som de frescor contemporâneo, um som sem preconceitos, sem rótulos e sem muitas delimitações estéticas – como já vinha acontecendo a muito tempo no jazz americano. O quarteto é formado por João Paulo Gonçalves (guitarra elétrica, violão, composições e arranjos), Rapahel Ferreira (flauta e saxofones), Pedro Prado (bateria) e Rafael Abdalla (contrabaixo acústico), e se apresentam nos espaços dos SESCs, nos bares paulistanos e nos festivais como JPG Quarteto. Para quem quiser encomendar o CD, ouvir mais faixas no MySpace ou adicionar o músico no Facebook clique nas imagens deste post. Pra quem quiser conferir o frescor desse jazz brasileiro atual de perto, o JPG Quarteto se apresenta agora no dia 17 de Agosto no projeto Paulicéia Sonora no Sesc Carmo, no centro de São Paulo.
3 comentários:
O João Paulo realmente é um dos grandes guitarristas da nova geração que aposta na música instrumental brasileira e suas vertentes com verdadeira linguagem e competência!!!
Grande disco!!!
Que maravilha de guitarra, que maravilha de instrumental. E ainda tem gente que acha que é só nos United States que tem jazzistas de alto calibre. Conhecendo agora o "jazz brasileiro" deste músico. Abs!
Fantástico!! muibueno rsrs...ele fez uma escolhas harmonicas fantásticas,
como o pitta falou,não soou folclórico nem "alegrinho" demais e tem uma vibe até hipnotica, como por exemplo, o christiam scott anda fazendo, inté!
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