Se a década 90 foi o ápice de uma leva de trompetistas talentosos -- os quais, tirando de fora Dave Douglas, quase todos, à época, se mostraram influenciados pelo neo-tradicionalismo de Wynton Marsalis: Terence Blanchard, Nicholas Payton, Roy Hargrove, entre outros --, a década de 2000 já foi mais favorável para a categoria dos pianistas, os principais agentes da evolução do jazz neste início de século. Contudo, os últimos anos estão evidenciando o surgimento de uma nova geração de trompetistas, sendo que estes, por sua vez, deixaram o neo-tradicionalismo para trás e estão transitando sob as mais contemporâneas e pós-modernistas influências que permeiam a atual cultura americana: ou seja, o pop, o rock alternativo, o hip hop e o neo-soul. Além do já famoso Christian Scott e do recém-chegado Ambrose Akimusire, eis que surge mais um excelente trompetista na "New York jazz scene": trata-se de Maurice Brown, trompetista natural de Chicago e nascido em 1981. Em 1999, após a high school, Maurice começou seus estudos avançados na Northern Illinois University, transferindo-se, depois, para a Southern University, em New Orleans, cidade onde morou e começou sua carreira como líder de banda, no clube Snug Harbor. Antes, ele vencera a competição National Miles Davis Trumpet Competition para jovens trompetistas, se tornando, então, um sideman requisitado tanto por músicos da nova geração como por veteranos, chegando a tocar com Clark Terry, Johnny Griffin, Curtis Fuller, Stefon Harris, Ellis Marsalis, Lonnie Plaxico, Fred Anderson, Roy Hargrove, entre outros. Com a catástrofe do Furacão Katrina, Maurice teve de tentar a sorte em Nova Iorque, a "meca" mundial do jazz. E deu certo: sua reputação como músico e compositor lhe rendeu uma agenda cheia em colaborações não apenas com os músicos de jazz, mas com os mais variados artistas e grupos de soul e hip hop: entre eles, Aretha Franklin, Talib Kweli, Wyclef Jean, Cee-Lo, De La Soul, The Roots e P. Diddy.
Com o lançamento do seu primeiro álbum, Hip to Bop, em 2004, Maurice Brown deixou claro que seguiria a tendência de produzir um som que estivesse antenado com o contexto atual da música afro-americana: como o próprio título sugere, o álbum evidencia um jazz que engloba pegadas que vão do bebop às batidas do hip hop, passando pelo lirismo do neo-soul. Esta é a tendência que tem norteado a maioria dos projetos da nova geração de jazzistas afro-americanos, inicialmente capitaneados por músicos como o vibrafonista Stefon Harris, o contrabaixista Christian McBride, o pianista Robert Glasper e, mais recentemente, o trompetista Christian Scott. Categoricamente, trata-se de uma espécie de post-bop regado de influências contemporâneas presentes na cultura afro-americana: o fraseado -- os improvisos -- ainda trazem sotaques e inflexões oriundos da linguagem bebop, mas os grooves (as levadas rítmicas) são inusitadamente baseados nas batidas do funk e hip hop, bem como a harmonia e a melodia são inspiradas pelos climas sonoros do neo soul e do rhythm'n'blues -- a exemplo de como o hard bop fora uma linguagem bebop mais flexível, inspirada pelo blues, gospel e soul dos anos 50 e 60. Contudo, é preciso frisar que Maurice Brown tem uma predileção mais retrô (estilo categorizado como straight-ahead), uma pegada mais visceral e uma performance mais gestual, mais improvisativa e menos lírica que o estilo de Christian Scott, por exemplo. Após lançamento de Hip to Bop, em 2004, só agora, em 2010, Maurice Brown conseguiu lançar o seu segundo álbum, The Cycle of Love: durante os seis anos que separaram um registro do outro, o trompetista foi interrompido pelas perdas com a desgraça do Furacão Katrina e depois, já em Nova Iorque, pela agenda cheia de projetos enquanto arranjador e produtor -- considerando que, além de sideman bem requisitado, ele também foi contratado pela Atlantic Records para ser diretor musical da cantora irlandesa Laura Izibor, com quem fez turnês por vários países.
Lançado de forma independente através do seu próprio selo, o Brown Records, o álbum The Cycle of Love foi considerado um dos 10 melhores álbuns de 2010 National Public Radio (vide resenha na página MÍDIA). Mas é preciso frisar aos apaixonados que este The Cycle of Love não é um disco do tipo "jazz for lovers". Ao contrário da impressão que o título do álbum pode passar, as músicas aí contidas não trazem nenhuma sonoridade romantizada do amor: como, por exemplo, aquelas manjadas baladas melosas, um tanto "smooth jazz", baseadas na melancolia amorosa entre um homem e uma mulher. Segundo o próprio Maurice Brown, as músicas também são inspiradas no amor entre um homem uma mulher, mas a principal inspiração é a busca pela felicidade e o amor humano como um todo. Para tanto, o clima do álbum procura casar sentimentalismo com descontração através de melodias de fácil audição e memorização, e através de grooves inusitados, basicamente baseados nas batidas funky e hip hop. A banda presente é um quinteto acústico: com ele, Maurice Brown ao trompete, Chris Rob ao piano, Derek Douget no saxofone tenor, Solomon Dorsey no contrabaixo e Joe Blaxx na bateria. O clipe abaixo foi produzido com base na faixa "Time Tick Tock", um dos destaques do álbum. Clique aqui para visitar o site do trompetista e ouvir outras faixas.
Um comentário:
Não conhecia. Realmente o nome do álbum nos faz pensar em um jazz romantico e meloso, alias, não tem como não pensar nisso. Mais basta ver o video para perceber que é totalmente ao contrário. Ótima dica.
Abraço
Daniel
Postar um comentário