Sou, definitivamente, fã dessa moça: a cantora, compositora e contrabaixista americana Esperanza Spalding. Considerada uma das maiores revelações da voz e do contrabaixo dos últimos tempos (pela Downbeat e outros holofotes americanos), ela já coleciona façanhas tais como: ser uma das poucas a cantar em português, inglês e espanhol, ser a mais jovem professora da Berklee College of Music, ser uma contrabaixista requisitada pelos maiores jazzistas (entre eles McCoy Tyner e Joe Lovano, com quem gravou o premiadíssimo álbum Folk Art, em 2009) e ter uma carreira venerada pelo público e crítica -- não à toa, ela foi convidada para cantar e tocar na cerimônia da entrega do Prêmio Nobel da Paz do presidente Barack Obama, em 2009. Mas o que realmente importa não é sua fama, mas seu talento e estética musical. Estilo único, ousadia, talento, elegância -- aquela que não renega as origens em prol da fama ou de um glamour hipócrita, talvez -- e, pelo o que já se comprova, boas idéias: essas são suas credenciais artísticas. Numa industria fonográfica que está acostumada a moldar seus artistas com clichês, padrões antigos e engodos comerciais para que os sons resultados possam ser simples, não apresentar inovações afim de não causar "estranheza" aos ouvidos menos experimentados, Esperanza Spalding surgiu como um estilo único, uma nova alternativa de jazz vocal moldada por influências do pop, soul, música brasileira e música latina. Quer dizer, a música de Esperanza Spalding não soa experimental aos ouvidos menos acostumados com dissonâncias, intrincâncias ou atonalidades -- trata-se, quase sempre, de uma música vocal agradável de ouvir que, apesar de ser carregada de improvisos e arranjos, não apresentam grandes dificuldades para quem ainda não é acostumado com as intricâncias da música contemporânea -- ao contrário, há muito de aventuras e grooves contagiantes que podem agradar desde o ouvinte mais rígido até o mais leigo. Mas sua música não economiza no uso de elementos diversos: scats vocais ousados, harmonizações arrojadas que casam as linhas líricas do soul com as da música brasileira, rítmos os mais variados, grooves contemporâneos que fogem daquela batida manjada do funk ou daquele walking bass manjado do bebop, repertório próprio com melodias que fogem dos clichês das adocicadas baladas americanas ...-- enfim, os discos da contrabaixista evidenciam arranjos maduros e inusitados que desmentem sua própria idade de 25 anos, tamanha a coesão das idéias apresentadas.
O novo disco de Esperanza, Chamber Music Society, é algo fantástico. Há uma evolução no estilo e na ousadia da artista: parece que a cada lançamento, novas idéias surgem para aprimorar uma carreira que, dentre as tantas carreiras de cantores de jazz, já começa a se destacar como uma trajetória única e incomparável. Isto é, muitas cantoras americanas -- e não americanas, o que é pior -- imitam Nina Simone, outras imitam Ella Fitzgerald, outras imitam Billie Holiday, mas Esperanza Spalding é apenas Esperanza Spalding. Em Chamber Music Society, a contrabaixista saca um quarteto de câmera erudito -- com violino, viola, cello e contrabaixo -- mais o pianista Leo Genovese e a baterista Terri Lyne Carrington, tendo, ainda, convidados ilustres como o legendário arranjador Gil Goldstein, a cantora "rising star" Gretchen Parlato e o grande cantor e compositor brasileiro Milton Nascimento, um dos maiores inovadores da canção popular brasileira. O repertório é composto por oito composições próprias, uma canção do pianista Leo Genovese chamada "Chacacera", uma canção de Tom Jobim chamada "Inútil paisagem" (cantada em português) e um standard do pop tradicional chamada "Wild Is the Wind", de Dimitri Tiomkin e Ned Washington. Fazendo vocalizações e segundas vozes, a cantora Gretchen Parlato participa em "Knowledge Of Good And Evil" e Milton Nascimento participa em "Apple Blossom", ambas composições originais de Esperanza. Aliás, por falar em Milton Nascimento -- que é uma grande influênia para a contrabaixista --, dois dos elementos que contribuem para o tempeiro único de Chamber Music Society -- além das canções soul, da pegada "jazzy" casados com arranjos para o quarteto de câmera -- são os vocalises inspirados nos arranjos brasileiros: não só os arranjos e harmonizações provenientes do "Clube da Esquina", mas também inspirados na forma como Hemerto Pascoal e Flora Purim usam a voz feminina em suas melodias e arranjos intrincados. Em sua sessão "Firt Listen", a National Public Radio disponibilizou o álbum inteiro para audição: clique nas imagens acima para comprar o disco e no link abaixo para ouvir o álbum na íntegra, ver fotos e vídeos da grande contrabaixista!
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