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Wynton Marsalis e a conexão do Jazz com a Dança Moderna


Depois que assisti ao filme De Corpo e Alma de Robert Altman, eu passei olhar o balé, sobretudo o contemporâneo, como uma das mais inteligentes e fantásticas expressões do universo das artes cênicas, ainda que essa não esteja inclusa dentro das minhas expressões artísticas preferidas. Aqui no Brasil o balé não é uma arte tão apreciada como nos EUA ou França, já que é visto com pouquíssima assiduidade (menos ainda do que a ópera), talvez pela falta de conhecimento e preconceito do brasileiro, povo de ascendência dominantemente popular. Percebam, por exemplo, que tanto aqui como em muitos lugares do mundo, algumas artes - ou alguns ofícios, pra usar um termo mais geral - sofrem com certos estigmas e preconceitos a muito já estabelecidos - preconceitos esses que foram, desde sempre, estabelecidos por pessoas que não tem noção de criatividade, arte, humanismo, igualitarismo e outros princípios que deveriam ser natos de todos, independente de religião, crença, raça, sexo e afins. Percebam, por exemplo, como é tão comum muitas pessoas dizerem absurdos do tipo como: "fazer faculdade de moda é coisa para gays" ou, ainda, "todo ouvinte de jazz é playboy". Aliás, no universo do Jazz não é diferente, pois há, também, aquelas sentenças apregoadas por alguns , tais como: "os músicos experimentalistas não sabem ler partitura ou não conhecem os conceitos de música" ou ainda aquela que diz "os músicos do mainstream não são inovadores, eles são retrógrados e ultrapassados". Enfim, é até natural que qualquer ser humano, seja lá qual for seus ofícios e atributos, tenha seus PRÉ-CONCEITOS: algo que eu descreveria como uma falta de conhecimento sobre um idioma ou estilo artístico que a pessoa desdenha - muitas vezes inconsciente ou num primeiro momento - ou até sente repulsa por não se identificar com aquele determinado idioma artístico que até tentou conhecer, mas sentiu que é algo que não se encaixa com suas preferências pessoais. Mas é vergonhoso quando isso vira um PRECONCEITO: aquele sentimento maudoso que faz com que a pessoas discriminem, incriminem, segreguem, generalizem e façam acepção sem causa e conhecimento. E o Balé - ou Ballet, em inglês - é uma dessas artes que aqui no Brasil é entendida como uma "arte estritamente feminina", (como se fosse possível categorizar arte por divisões de sexo ou raça; sendo que qualquer arte é universalmente para todos que se interessem por ela): e aí , mais uma vez, vê-se como a maioria das pessoas do nosso país levam o entretenimento comercial (muitas vezes, esse sim, de conotação extremamente erótica e nociva) mais a sério do que as artes em geral. Poucos brasileiros sabem, por exemplo, que um dos maiores coreógrafos do mundo é, a bastante tempo, um brasileiro chamado Ismael Ivo, um bailarino de vanguarda que é considerado um marco na dança moderna por mesclar balé moderno, com danças afro-brasileiras e o butô japonês: os brasileiros que sabem disso são os próprios coreógrafos, os estudantes de balé e os poucos apreciadores de dança artística que podem pagar pra assistir a um espetáculo.

A partir de meados do século 19 o balé passou a ser uma artes mais populares da França e Russia. Os espetáculos escritos por dramaturgos ou por coreógrafos ganhavam vida através de composições eruditas: os russos Tchaickoviski e Stravinski foram alguns dos compositores que mais tiveram encomendas para escrever composições para ballet. No final do século 20, uma das maiores tendencias da dança moderna e das artes em geral foi o neo-tradicionalismo somado à multiculturalidade ou à miscigenação de artes e culturas, o que permitiu aos artistas estabelecerem um "marco zero" pós-vanguardismo numa tentativa de reencontrar um conjunto de liguagens que pudessem expressar as várias temáticas do novo mundo globalizado. Dentro dessa tendência, as companhias de dança moderna passaram a não só usar aspectos das danças urbanas descobertas por culturas mais novas (como o "break dance" do Hip Hop) como também passaram a valorizar aspectos das danças tradicionais: e o jazz, pelo menos até a era do Hard Bop, sempre fora a expressão artística da cultura americana que mais havia unido música com dança - vide danças e elementos rítmicos como charleston, jive, swing, funky e etc. Em relação ao jazz contemporâneo, os peças de Wynton Marsalis escritas para balé são um grande exemplo dessa conexão.

Seguindo a influência de Charles Mingus, o compositor, trompetista e pedagogo Wynton Marsalis, é um dos únicos jazzistas do mundo a desenvolver uma fusão de jazz com balé moderno. Sua primeira grande aventura nesse meio artístico foi no início da década de 90 quando ele trabalhou em parceria com o coreógrafo Garth Fagan no "musical" "Citi Movement (Griot New York)", composto e encenado em 1991 e lançado em CD em 1992: tanto o disco como a peça tiveram um enorme sucesso de público e crítica, o que acabou por desencadear um estreitamento cada vez mais comum entre o jazz e a dança moderna. A partir desse sucesso a peça foi repetidas várias vezes nos grandes teatros e companhias de dança de Nova Iorque e Wynton passou a ser cada vez mais requisitado para escrever composições que pudessem dar vida à espetáculos de dança, sobretudo o balé. Desde 1991, o compositor vem sendo requisitado por duas das maiores companhias de Nova Iorque - também consideradas as maiores do mundo ao lado das companhias européias e russas: uma é a New York City Ballet dirigida por Peter Martins e a outra é, justamente, Alvin Ailey American Dance Theater, companhia que leva o nome do mestre Alvin Alley, o mesmo que descobriu e revelou o brasileiro Ismael Ivo ao mundo da dança artística antes de falecer em 1989. Talvez o fato que explica porque Wynton é um dos únicos pioneiros na área seja seu arrojado estilo de composição desenvolvido por influência dos estilos de Duke Ellington e Charles Mingus: Wynton é, indubitavelmente, um dos únicos jazzistas contemporâneos capazes de criar composições multifacetadas que abranjam as várias temáticas exigidas pelos coreógrafos, pois, desde o final da década de 80, passou a compor sempre na forma de suíte, fazendo uso de várias temáticas através de aspectos da música erudita, ritmos, arranjos e harmonizações diversas para criar uma única composição - ele é um mestre inquestionável nessa abordagem composicional (lembrando que muitos desses arranjos explicitam o humor, a tragédia, a ironia, os sons das cidades urbanas e muitos outros aspectos da vida urbana moderna e tradicional do seu país). Depois de Wynton, outro dos jazzistas que trabalham ou já trabalharam em parceria com coreógrados renomados é a saxofonista Jane Ira Bloom e o veterano pianista e compositor Billy Taylor, nesses anos mais recentes.

Dentre o conjunto de balés compostos por Marsalis estão: Citi Movement (Griot New York) para o coreógrafo Garfth Fagan, Sweet Release & Ghost Story escrito para a coreógrafa Judith Jamison , Jump Start and Jazz em colaboração com a grande coreógrafa Twyla Tharp, Accent on the OffBeat em colaboração com Peter Martins e Here...Now composta, também, para Judith Jamison, além de outras peças encomendadas. Essa ultima citada, Here...Now, é uma peça escrita para homenagear a corredora Florence Griffith Joyner (apelidada de Flo-Jo), recordista mundial em 1987 e 1988 e ganhadora de três medalhas de ouro nas olimpíadas desse mesmo ano. Em 1998 a corredora morreu através de um ataque de epilepsia. A peça foi estreada em 2000 e as faixas foram gravadas em 2001 pelo grande e uniforme Wynton Marsalis Septet, antes da dissolução da banda. No ano de 2008, Wynton Marsalis lançou as faixas gratuitamente em seu site para quem quiser ouvir ou até baixar: trata-se de sete faixas ( com dois interlúdios entre elas, Chorale e Style), que mostram a espantosa uniformidade do septeto ao interpretar o conjunto de arranjos usados para evocar as temáticas da peça, uma marca registrada da genialiade de Wynton Marsalis, especialmente em suas composições maiores caracterizadas por arranjos que fazem uso tanto dos elementos tradicionais americano como dos elementos do jazz avant-garde.

Abaixo as faixas e informações do disco Here...Now. Para baixar uma a uma direto ao Windows Media Player é só clicar com o botão esquerdo. Para salvar as faixas em seus documentos clique botão direito e depois em salvar como.

RECORDING INFO
Album title: Here..Now
Recorded at: Sear Sound, NYC - 2001
Engineer: Patrick Smith
Producer: Delfeayo Marsalis

PHOTO CREDIT
Alvin Ailey American Dance
Theater’s Linda-Denise Fisher-Harrell and Matthew Rushing in Judith Jamison’s Here…Now
Photo by Paul Kolnik

Wynton Marsalis (trumpet), Wessel Anderson (alto sax), Victor Goines (tenor, soprano sax), Ronald Westray, Vincent Gardner (trombone), Richard Johnson (piano), Gerald Cannon, Kengo Nakamura (bass), Ali Jackson (drums)

01. Chorale (1:02 min)
02. Speed (4:51 min)
03. Strength (6:34 min)
04. Style (1:00 min)
05. Glamour (2:23 min)
06. Pain (4:16 min)
07. Heaven (3:54 min)

5 comentários:

Borboletas de Jade disse...

Uma das qualidade de Wynton Learson Marsalis é sua lucidez de comungar sua arte em varios estilos e esferas da arte, como multifacetado instrumentista de primeira grandeza. Tenho acompanhado este artista (aqui no Farofa principalmente) e vejo a dimensão criacionista, ligada ao jazz
como bem esplorando outras dimensões humanamente divina. Bela postagem e confesso surpreso por este musico ser tão ecletico.

Unknown disse...

A gravação de Charles Mingus, The Black Saint And The Sinner Lady (1963), foi escrita para ballet, como podemos ver:
1."Track A(Solo Dancer)" –6:20
"Stop! Look! and Listen, Sinner Jim Whitney!"
2."Track B(Duet Solo Dancers)" –6:25
"Hearts' Beat and Shades in Physical Embraces"
3."Track C(Group Dancers)" –7:00
"(Soul Fusion) Freewoman and Oh, This Freedom's Slave Cries"
4.–17:52
"Mode D(Trio and Group Dancers)"
"Stop! Look! and Sing Songs of Revolutions!"
"Mode E(Single Solos and Group Dance)" "Saint and Sinner Join in Merriment on Battle Front"
"Mode F(Group and Solo Dance)"
"Of Love, Pain, and Passioned Revolt, then Farewell, My Beloved, 'til It's Freedom Day".
Max Roach compos peças de dança para o Alvin Ailey American Dance Theater e executou ssolo de bateria com acompanhamento de bailarinos. Os músicos de Free Jazz nos anos 70 executavam suas composições junto de bailarinos, como fez Don Cherry, William Parker, que é casado com uma bailarina. Isso está registrado no filme Rising Tones Cross, onde é filmado o primeiro festival organizado por William Parker, hoje chamdo de Vision Jazz Festival.

Anônimo disse...

...excelente noticias, akira: como sempre!


eu sabia por exemplo que músicos de free jazz já havia trabalhado com bailarinos: Cecil Taylor chegou a fazer uma performance com bailarinos de butô japones...


mas me referí a Wynton como um dos primeiros (frisando que ele não foi o primeiro) porque ele realmente não só passou ter diversas peças encomendadas por coreógrafos como tbm passou a escrever seus próprios balés, os quais citei no final do texto. Talvez Wynton tenha se baseado em Max Roach (de quem é fã confesso) e Charles Mingus (que como eu disse, é um dos caras que mais influenciou o trompetista)

Não é uma arte que eu admira tanto, mas é interessante...essas performances tem de ver de perto pra sentir a conexão música e encenação/performance.

Abraços

Unknown disse...

Valeu, meu caríssimo, só acrescentando alguma informação. abraço!

Anônimo disse...

...borboletas de jade, Wynton é, na minha opinião, o músico mais multifacetado e completo do jazz, e por que não dizer da música americana (já que ele é um grande defensor da cultura do seu país)...outro músico que chega perto em questão de polivalência é o vanguardista John Zorn.


Eu já vi em algum lugar na net a seguinte frase:

"Os fãs de Wynton Marsalis são mais fanáticos dos que os fãs de Steve Vai, Joe Satriani...(enfim, todos esses guitarristas de rock que tocam mihões de notas por minuto)" kkkkkkkkkk...eu dei risada, claro!


O fato é que quando algum desinformado pensa em Wynton Marsalis, apenas duas coisas lhes vêm na cabeça: uma é que Wynton é apenas um virtuoso que toca "milhares de notas por segundo" e a outra é que Wynton é apenas um conservador antiquado que fica repetindo os mesmos standards. Enfim, a pessoa diz isso por dois motivos: primeiro porque não gosta, segundo porque não conhece e/ou tem preguiça de conhecer o lado mais compositor e autoral de Wynton Marsalis, que a propósito é mais genial e menos conservador do que os críticos imaginam.


Mas quando se propõe a falar da obra de Wynton Marsalis, vc acaba correndo o risco de ficar falando muito por muito tempo de um mesmo músico, pois a sua diversidade de trabalhos é gigante e em todos os trabalhos que realiza há sempre alguma temática diferente: seja na série Standard Time, seja no conjunto da obra Erudita, seja como ensaíta e escritor, seja como compositor que une música erudita ao jazz, seja como compositor apenas de Jazz, seja como pedagogo, seja na década de 80 com seu grupo mais barulhento e polirrítimico, seja na década de 90 com seu Septeto mais uniforme e cheio de arranjos, seja com orquestras sinfônicas e sua big band...enfim, há muito o que se falar de Wynton Marsalis.


abraços!

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