Eu nunca fui adepto às baladas, apesar de que, em alguns momentos de solidão ou com uma boa companhia, nunca descartei a possibilidade de deixar uma música melodiosa e indentificável pairando no ar enquanto leio um livro, enquanto tento enganar uma moça ou enquanto me perco em meio aos pensamentos mundanos (risos). As baladas, em geral, carregam, por sí só, o estigma da ascendência comercial pelo fato de serem mais indentificáveis e, aparentemente, terem a simples missão de criar um fundo sonoro para o ouvinte. No entanto, as baladas só mostram serem simples, mas não são. As baladas têm um grande grau de dificuldade porque exige que o músico seja bom intérprete: e interpretação também exige certos adereços artísticos como a sutileza, exige técnica, dinâmica musical e muita sensibilidade e expressão. Poucos músicos - que são virtuoses ou grandes improvisadores - conseguem ser bons intérpretes de baladas.
Sendo as baladas o assunto, indico-lhes aqui um disco interessante nesse aspecto: The Newest Sound Around de 1961. Trata-se de um duo com o pianista Ran Blake e a jazz singer Jeanne Lee (e aí estão dois músicos "unsung heroes", ou seja, dois músicos interessantes que raramente são lembrados). Apesar desse disco ser de standards e canções conhecidas do song book americano, um pouco da atenção do ouvinte é necessária para constatar algumas nuances peculiares: o uso de espaços vazios fazendo do siêncio um ingrediente da música, algumas leves dissonâncias nos acordes do piano de Ran Blake que acaba dando um contraste com os acordes mais doces e claros, a voz sem vibrato quase sempre sussurrada de Jeanne Lee que algumas vezes paira sozinha sem acompanhamento, o uso requintado das dinâmicas partindo do pianíssimo até o forte ou das notas graves até as notas agudas do piano, entre outras características que dão à esse disco um leve toque de contemporaneidade, apesar de ser um disco gravado em 1961 que celebra a tradição. As faixas que são mais estranhas aos standards tradicionais são "Church on Russell Street" do próprio Blake, "Vanguard da própria Jeanne Lee e "Where Flamingos Fly" de Van Morrison. Destaque também para a faixa Evil Blues que tem a colaboração do contrabaixista George Duvivier.
Jeanne Lee é uma cantora peculiar do mesmo porte que suas contemporâneas Nina Simone e Abbey Lincoln, sendo, talvez, a mais indentificada com a vanguarda que já começava a dar as caras em meados dos anos 50. Jeanne começou sua carreira no final dos anos 50, tendo Ran Blake como seu inseparável pianista desde os tempos da universidade, sendo que esse disco The Newest Sound Around de 1961 foi premiado com o prêmio RCA Album First Prize in Germany em 1963, dando à dupla a oportunidade de realizar uma turnê européia nessa época. Além dessa parceria com Blake, Jeanne Lee também gravou o disco After Hours lado do grande pianista Mal Waldron em 1994 ( outro grande admirador da cantora é o saxofonista Joe McPhee, como se pode ver em seu site).
Já Ran Blake é um peculiaríssimo pianista da vanguarda que ficou conhecido por suas preferências ao ramo do "Third Stream" e seu fluxo entre a técnica pianística de um Oscar Peterson e o cool minimalista de um Bill Evans, assim como alguns dos seus contemporâneos como John Lewis e Gunter Schuller. Bem antes de pianistas como Keith Jarrett que dão um tratamento especial ao piano, Blake já era um dos pioneiros no enfoque do piano solo, chegando a gravar discos interessantes nessa forma, alguns dos quais: Blue Potato (Milestone, 1969); Third Stream Today (Golden Crest, 1977); Film Noir (Novus, 1980); Duke Dreams (Soul Note, 1981). Ran Blake também já colaborou em duos com Anthony Braxton lançando o disco A Memory of Vienna (Hatology, 1988) e com o grande saxofonista Clifford Jordan com o qual lançou, Masters From Different Worlds (Mapleshade, 1989).
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