O cenário musical de São Paulo, no âmbito da MPB underground ou da música instrumental, tem se renovado e crescido de forma muito animadora nos últimos dez anos. Além de ter surgido novos espaços – onde sarais e apresentações passaram a acontecer –, alem dos novos bares e clubes, além dos novos músicos e bandas – os quais têm a sinceridade e a coragem de encarar a música estritamente como arte e não como produto –, novos registros estão aparecendo no restrito mercado independente da música instrumental – algo, aliás, que é o mais desejável, pois não adianta ter um cenário rico de novidades sem ter registros que confirmem e projetem essa riqueza artística. E o contrabaixista e compositor Bruno Migotto é uma das provas vivas de renovação e riqueza desse novo cenário: uma das novas revelações da música instrumental brasileira, ele é o baixista do quarteto do baterista Bob Wyatt, do quinteto do guitarrista Djalma Lima, do cantor e compositor Fabio Cadore, do trio do guitarrista Michel Leme, da Sound Scape Big Band, uma das big bands paulistanas que integram o fenomenal Projeto Elefantes, e acaba de gravar seu primeiro álbum, In Set, um registro com sete músicos paulistanos do mais alto calibre, alguns membros do seu atual Bruno Migotto Septeto – são eles o trompetista Daniel D’Alcantara, o guitarrista Michel Leme, os saxofonistas Cássio Ferreira e Josué dos Santos, o trombonista Jorginho Neto e o baterista Alex Buck.
In Set, um projeto de sete músicos e sete composições originais – e daí o título que, além semelhança fonética, também denota “em conjunto” ou “em set”, em um cenário de gravação – constituiu-se em um álbum fantástico. O álbum traz uma sonoridade um tanto agradável, o frescor do jazz contemporâneo casado com a nossa brasilidade rítmica e harmônica – progressões harmônicas inteligentes e marcantes, diálogos e solos sobrepostos, grooves contemporâneos que fogem da obviedade dos ritmos tradicionais brasileiros sem renegá-los como influência, esses são os ingredientes. E o que proporcionou o resultado final foram duas coisas: primeiro, o equilíbrio perfeito entre arranjo e improviso; segundo, a interação descontraída dos sidemans – lembrando que descontração, nesse caso, não significa falta de concentração, mas sim aquele bom-humor nostálgico que explicita bem os sentimentos de amizade e de alegria. Em entrevista ao jornalista Luís Delcides, no site de eventos Paulicéia do Jazz, o próprio contrabaixista salientou o orgulho de ter trabalhado com esses músicos, todos grandes companheiros na luta pela arte: “Acredito que as composições e arranjos do disco são 40% do resultado final, pois a maneira que eles tocaram os arranjos, a interação, a liberdade de criação que foi criada no momento, foi o que completou as composições para ficar da maneira que imaginei. Fiquei muito feliz com o resultado, foi a imagem mais fiel do que acredito na música, e consegui ter isso no meu primeiro disco; foi uma grande felicidade” – disse Migotto. De certo, a porcentagem aí creditada à suas composições e arranjos é modesta, o que só mostra sua humildade diante dos elogios ao registro bem feito. Mas o fato é que In Set apresenta composições e arranjos maduros que parecem desmentir a pouca idade do músico, ao mesmo tempo em que reafirmam seu talento e um início de carreira bem direcionado: Bruno, apesar de ter apenas 24 anos, já acumula experiência através de uma lista grande de colaborações ao mesmo tempo em que já começa a se projetar como um líder de banda e como um proeminente compositor.
Num estilo de composição como esse, uma escrita para a interação de sete músicos, o desafio é achar o lugar de cada instrumento com o intuito de que o resultado final apresente junção e diálogo coesos. Bruno não apenas supera esse desafio como também nos reserva momentos inusitados e bem humorados. O álbum apresenta a seguinte sequência de faixas: Do Fim ao Começo, El Samba Como me Gusta, Acidental, Caixote de Surpresas, Quase Roxo, Paz de Cristo e Canto do Abacate. Apesar de haverem bons momentos e bons solos em todas as faixas, os destaques, a meu ver e sentir, ficam por conta das faixas 1, 4 e 6. “Do Fim ao Começo” inicia-se com uma breve introdução, seguido de um belo tema compartilhado e dialogado entre os sopros, enquanto o guitarrista Michel Leme tempera o fundo com a tênue ressonância dos seus pedais de efeitos; logo após, Michel aplica um improviso desconcertante e Cassio Ferreira um melodioso solo de sax soprano; a faixa termina com a última exposição do tema seguida de um epilogo bem cadenciado num tradicional compasso binário, fazendo um contraste com o groove aparentemente indefinido, apresentado em quase toda a extensão da faixa. “Caixote de Surpresas” apresenta aquele clima descontraído e indefinido dos ensaios musicais, até que o ouvinte realmente começa a ter boas surpresas: flauta, guitarra e bateria iniciam uma melodia, o que seria já o começo do tema, até ser interrompida... surgem risos e notas dispersas numa indefinição, como se os músicos estivessem indecisos entre tocar uma determinada música ou outra qualquer, mas daí o contrabaixo elétrico de Bruno toma a iniciativa de organizar a sessão, chamando cada instrumento a entrar em sua vez até todos começarem o tema de fato; nessa faixa o destaque fica não só por conta do swing vibrante, mas por conta do improviso lírico do saxtenorista Josué dos Santos. “Paz de Cristo”, a sexta e penúltima faixa do álbum, soa melodiosa e com notas longas em compasso binário, parecendo ser uma saudação e, ao mesmo tempo, uma homenagem e agradecimento ao Senhor do Evangelho: o destaque fica para o excelente solo do trompetista Daniel D’Alcantara. Por fim, o álbum termina com a faixa “Canto do Abacate”, um samba-jazz com nuances e variações rítmicas que lembram, remotamente, elementos do samba, dos choros e congadas; surgem tema, improvisos de trombone, trompete e guitarra e, já perto do fim, o som vai sumindo através de um fade out... há um silêncio e, em seguida, um fade in que desabrocha num final cacofônico; destaque para o solo inicial do trombonista Jorginho Neto. Em contraste com esses momentos mais pujantes, porém, há momentos intimistas e delicados: como na terceira faixa, “Acidental”, repleta de solos suaves e recheada com o complemento das vassourinhas de Alex Buck. E assim, Bruno Migotto conclui seu primeiro registro como líder, arranjador e compositor: um álbum de estética contemporânea que expressa de forma muito bela os climas de alegria, amizade e descontração! Para saber mais e adquirir o disco, só clicar nas imagens, acessar o site e mandar um e-mail para Bruno Miggoto ( bmigotto@yahoo.com.br).
2 comentários:
Agradeço muitíssimo ao pessoal do Farofa Moderna, essa resenha realmente está muito fiel ao que acreditei ao gravar o disco e acho que vcs captaram o espírito da coisa da melhor maneira possível, obrigado pelo respeito e carinho,
Grande abraço a todos os leitores também.
Bruno Migotto
Acho que o disco In Set representa não só uma estréia bem feita, Bruno. O disco In Set representa a presença da renovação e de novos estilos na musica instrumental brasileira, pois o disco nos soa muito bonito e contemporâneo. Parabéns para caras corajosos como você, o Michel Leme e todos os companheiros que estão na luta para mostrar a sua arte, as suas peculiaridades, mostrar um som próprio com composições próprias e tal...
Abraços!
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