Livro do jornalista luciano Trigo: crítica a mediocridade na arte contemporânea!!!
Um novo livro lançado em fins de 2009 chega às livrarias com a missão instigar as pessoas apreciadoras de artes a questionar o que pode ser, verdadeiramente, considerado arte. O livro de que falo -- e que verdadeiramente tem esse poder de nos fazer questionar -- é o A Grande Feira - Uma Reação ao vale-tudo na Arte Contemporânea, do jornalista Luciano Trigo. O que é arte pra você? Uma obra onde se vê apenas uma idéia materializada -- sim, apenas a idéia sem sentido, sem uma técnica específica -- pode ser considerada arte? Resposta: sim, claro que pode! Convidar as pessoas a verem uma instalação numa galeria, na qual a obra é um animal taxidermizado -- sabendo que o artista que assina a tal instalação nunca mexeu na obra, já que ele teve à sua disposição uma equipe de especialistas para fazer isso -- é estar mostrando o real intuito da arte? Resposta: sim, no atual mundo pós-moderno, qualquer idéia que se materialize -- e não importa como a tal idéia se materializou, se ela faz algum sentido ou se houve um trabalho, um processo para tanto -- pode ser considerado arte: é o tal vale-tudo, citado no título do livro; tudo é válido, principalmente se servir aos propósitos de mercado. Isso é bem comum, também, no mundo da música: sobretudo no jazz, onde a busca por inovação e pela transgressão foi um extremo que se instaurou de um lado, enquanto de um outro lado houve uma busca pelo reconhecimento midiático e comercial através da produção de um som sintético, comercial e palatável. Aliás, o livro nos mostra vários exemplos onde o artista despreza virtudes e requisitos como o talento, a criatividade, a técnica e a procura por uma identidade e estilo únicos -- elementos esses que, em outras primaveras, eram indissociáveis do ofício -- para produzir uma arte meramente efêmera ou de teor meramente apelativo. Dois dos exemplos que mais me chamaram a atenção são as obras The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living, do artista plástico inglês Damien Hirst, e Piss Christ, do fotógrafo americano Andres Serrano: a primeira, de Damien Hirst, é apenas um tubarão mergulhado em formol numa redoma de vidro -- obra que, na verdade, foi composta não pelas mãos de Hisrt (que só teve a idéia), mas por uma super-equipe de produção que produziu todo o "aparato" --; já a segunda obra, que exemplifica o teor meramente apelativo na arte contemporânea, é uma infeliz fotografia de Jesus Cristo mergulhado em urina, composta em 1987. Conclusão: Trigo diz, no capítulo "Sobre o estado da Arte", que boa parte da arte de sucesso que se produz hoje, implica em processos de produções caros com equipe de assistentes e financiadores preocupados em lucrar com a tal "produção" -- em compensação, a arte que aí se produz pode até ser algo muito caro e elaborado, economicamente falando, mas totalmente desprovido de técnica, identidade ou conceito (é como muitas produções hollywoodianas ou da música pop, por exemplo). Mas é engraçado como a efemeridade é uma espécie de parente da mentira -- ambas tem pernas curtas. O próprio Tubarão Mergulhado em Formol de Damien Hirst, por exemplo, chegou a ser o trampolim de uma possível "crise de existência" da arte, que teria, de fato, existido, caso não fosse abafada rapidamente. Em 2006, o administrador de fundos Steve Cohen, que se dispôs a comprar a obra por uma fortuna de 12 milhões de dólares, recebeu a notícia de que seu tubarão estava se decompondo: artista e comprador logo negociaram a substituição de um novo cadáver, o que rapidamente abafou o caso -- mas mesmo abafada, a notícia reverberizou em todo mundo como a metáfora do "apodrecimento da arte".
Um novo livro lançado em fins de 2009 chega às livrarias com a missão instigar as pessoas apreciadoras de artes a questionar o que pode ser, verdadeiramente, considerado arte. O livro de que falo -- e que verdadeiramente tem esse poder de nos fazer questionar -- é o A Grande Feira - Uma Reação ao vale-tudo na Arte Contemporânea, do jornalista Luciano Trigo. O que é arte pra você? Uma obra onde se vê apenas uma idéia materializada -- sim, apenas a idéia sem sentido, sem uma técnica específica -- pode ser considerada arte? Resposta: sim, claro que pode! Convidar as pessoas a verem uma instalação numa galeria, na qual a obra é um animal taxidermizado -- sabendo que o artista que assina a tal instalação nunca mexeu na obra, já que ele teve à sua disposição uma equipe de especialistas para fazer isso -- é estar mostrando o real intuito da arte? Resposta: sim, no atual mundo pós-moderno, qualquer idéia que se materialize -- e não importa como a tal idéia se materializou, se ela faz algum sentido ou se houve um trabalho, um processo para tanto -- pode ser considerado arte: é o tal vale-tudo, citado no título do livro; tudo é válido, principalmente se servir aos propósitos de mercado. Isso é bem comum, também, no mundo da música: sobretudo no jazz, onde a busca por inovação e pela transgressão foi um extremo que se instaurou de um lado, enquanto de um outro lado houve uma busca pelo reconhecimento midiático e comercial através da produção de um som sintético, comercial e palatável. Aliás, o livro nos mostra vários exemplos onde o artista despreza virtudes e requisitos como o talento, a criatividade, a técnica e a procura por uma identidade e estilo únicos -- elementos esses que, em outras primaveras, eram indissociáveis do ofício -- para produzir uma arte meramente efêmera ou de teor meramente apelativo. Dois dos exemplos que mais me chamaram a atenção são as obras The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living, do artista plástico inglês Damien Hirst, e Piss Christ, do fotógrafo americano Andres Serrano: a primeira, de Damien Hirst, é apenas um tubarão mergulhado em formol numa redoma de vidro -- obra que, na verdade, foi composta não pelas mãos de Hisrt (que só teve a idéia), mas por uma super-equipe de produção que produziu todo o "aparato" --; já a segunda obra, que exemplifica o teor meramente apelativo na arte contemporânea, é uma infeliz fotografia de Jesus Cristo mergulhado em urina, composta em 1987. Conclusão: Trigo diz, no capítulo "Sobre o estado da Arte", que boa parte da arte de sucesso que se produz hoje, implica em processos de produções caros com equipe de assistentes e financiadores preocupados em lucrar com a tal "produção" -- em compensação, a arte que aí se produz pode até ser algo muito caro e elaborado, economicamente falando, mas totalmente desprovido de técnica, identidade ou conceito (é como muitas produções hollywoodianas ou da música pop, por exemplo). Mas é engraçado como a efemeridade é uma espécie de parente da mentira -- ambas tem pernas curtas. O próprio Tubarão Mergulhado em Formol de Damien Hirst, por exemplo, chegou a ser o trampolim de uma possível "crise de existência" da arte, que teria, de fato, existido, caso não fosse abafada rapidamente. Em 2006, o administrador de fundos Steve Cohen, que se dispôs a comprar a obra por uma fortuna de 12 milhões de dólares, recebeu a notícia de que seu tubarão estava se decompondo: artista e comprador logo negociaram a substituição de um novo cadáver, o que rapidamente abafou o caso -- mas mesmo abafada, a notícia reverberizou em todo mundo como a metáfora do "apodrecimento da arte".
O Cristo mergulhado em urina: ofensa religiosa como ferramente de marketing
Foto do cartaz "O Homem de Marlboro": arte nivelada à uma imagem publicitária.
Mas Luciano Trigo não só aponta obras contraditórias e efêmeras como também discorre com maestria -- além de uma sinceridade que é incomum no jornalismo brasileiro -- sobre outros assuntos que, de uma forma ou de outra, estão relacionados com o mundo das artes: o leitor ficará esclarecido, por exemplo, sobre o poder que o mercado especulativo exerce sobre a arte contemporânea, já que a aspiração maior do artista contemporâneo não é mais produzir uma arte de reflexão, mas sim enriquecer através de uma exposição de luxo influenciada, inclusive, pela moda. Igualmente escancarada é sua análise sobre os trâmites e os bastidores desse mercado: as negociações, exemplos de obras sem valor artístico que foram absurdamente valorizadas economicamente, as aspirações dos curadores e merchands, bem como a relação desses com os artistas (relações essas que envolvem desde sexo até grandes incentivos financeiros), as ilusões dos novos artistas recém-saídos das escolas de arte, entre muitas outras verdades escondidas, são mostradas sem pudor por Luciano à medida que seu ensaio vai se aprofundando.
Mas Luciano Trigo não só aponta obras contraditórias e efêmeras como também discorre com maestria -- além de uma sinceridade que é incomum no jornalismo brasileiro -- sobre outros assuntos que, de uma forma ou de outra, estão relacionados com o mundo das artes: o leitor ficará esclarecido, por exemplo, sobre o poder que o mercado especulativo exerce sobre a arte contemporânea, já que a aspiração maior do artista contemporâneo não é mais produzir uma arte de reflexão, mas sim enriquecer através de uma exposição de luxo influenciada, inclusive, pela moda. Igualmente escancarada é sua análise sobre os trâmites e os bastidores desse mercado: as negociações, exemplos de obras sem valor artístico que foram absurdamente valorizadas economicamente, as aspirações dos curadores e merchands, bem como a relação desses com os artistas (relações essas que envolvem desde sexo até grandes incentivos financeiros), as ilusões dos novos artistas recém-saídos das escolas de arte, entre muitas outras verdades escondidas, são mostradas sem pudor por Luciano à medida que seu ensaio vai se aprofundando.
Sobre a análise da irreconhecível -- ou não-identificável -- identidade estética da eclética arte contemporânea, bem como as suas características, Luciano Trigo se aprofunda no capítulo intitulado "Arte por Designação" e a "Falência da Crítica da Arte". Nesses capítulos, Trigo discorre a respeito da recorrente designação de qualquer objeto como arte -- em vez de uma obra produzida pelo talento e técnica do artista --, também fala do "desaparecimento da crítica" e a respeito do fato de que toda arte produzida hoje é uma assimilação das inovações e transgressões impostas pelas vanguardas histórias -- o que, num primeiro momento, isso não foi um demérito da arte contemporânea, mas sim uma característica natural, já que a arte em geral chegou ao seu limite criativo e experimental após os tantos "ismos" que a caracterizaram no século XX. O demérito, porém, está na nova forma de julgar e de valorizar a arte: no atual mundo consumista e globalizado, que se instaurou com o neoliberalismo na década de 80 -- vindo a se concretizar com a Queda do Muro de Berlim e o Fim da União Soviética --, além da arte servir estritamente as exigências do mercado -- coisa inadmissível para os artistas conceituais dos anos 60 e 70, época do avant-garde e dos happenings, por exemplo --, a crítica de arte também pegou o mesmo rumo. Se antigamente o crítico de arte podia ser "Deus" ou o "Demônio" pro artista -- pois ele tinha o poder não só de conceituar a arte, mas de classificá-la como boa ou ruim --, atualmente o crítico tem apenas o papel de "descrever" a arte, ou seja, de elaborar uma resenha onde a intuito é vendê-la. Aliás, Trigo diz que tanto o artista quanto o crítico de arte nada mais são do que acessórios do mercado: eles até podem ganhar algum dinheiro com isso -- porque o intuito é apenas esse mesmo --, mas eles já não têm princípios próprios e/ou aquela liberdade ideológica que os artistas de outrora tinham.
Para ilustrar e fundamentar tantos pontos importantes, Luciano Trigo colocou, no meio do livro, um conjunto de páginas com as imagens das obras em questão, além de citar, em vários pontos, frases e provérbios de artistas, escritores, filósofos, poetas e críticos de arte célebres. As fundamentações ganham riqueza com as menções à livros, artigos, ensaios e fatos ocorridos no mundo da arte. Interessante, por exemplo, são as menções aos filósofos Walter Benjamim e Adorno (da Escola de Frankfurt), bem como dos críticos Arthur C. Danto e Hans Belting, que decretaram o fim (da História) da arte e, ainda, a menção do famoso livro O Fim da História e o Último Homem, do historiador americano Francis Fukuyama que, através dos primeiros postulados do filósofo Friedrich Hegel, retomou a polêmica teoria sobre uma possível "fim da História", já que com a queda do socialismo, o advento de um mundo multipolar, a democracia liberal se instauraria como a ultima coisa a ser almejada pelos governos. Mas a análise de Trigo não fica só na arte internacional: ela abrange também aspectos importantes sobre o ainda pequeno universo da arte brasileira (pequeno se comparado ao conceitual universo da arte francesa, por exemplo). Igualmente interessante é a menção aos ensaios do poeta Ferreira Gullar, que também é um dos mais refinados crítico de arte do Brasil: Trigo cita, por exemplo, grandes ensaios do poeta como "Etapas da Arte Contemporânea" e "Argumento contra a morte da arte", que são artigos elucidadores a respeito da arte contemporânea brasileira e mundial. Enfim, em certos momentos, Trigo conclui da seguinte forma: "já que a arte e a crítica de arte perderam seus julgamentos de valores e agora servem estritamente ao mercado, disseminou-se a tese de que não existem mais manifestações artísticas superiores ou inferiores, mas apenas diferentes. Desse modo, Beethoven e Ivete Sangalo se equivalem, cada um na sua estética, e se há algum crítico que diz o contrário é porque esse cara é reacionário". Fazer o que? Nós não queríamos a democracia? Pois então, a axaustão da criatividade e o paralelo do consumismo e da especulação econômica com a democracia permitem que artistas usem e abusem da mediocridade de que qualquer idéia -- ou até mesmo a falta de idéias (como na obra “O Homem de Malrboro”, uma simples foto que o artista Richard Prince tirou do cartaz publicitário da marca de cigarros) -- pode ser arte... e o pior: essa obra de arte sem sentido e efêmera pode se valorizar em milhões de dólares. Pra finalizar, fiquei contente de ler um ensaio tão bem fundamentado e tão sincero a respeito desses e outros abusos da arte contemporânea. Isso é sinal de que, a despeito das rasas críticas mercadológicas que estampam a parte de "cultura" nos jornais brasileiros, nem tudo está perdido: ainda há jornalistas e estudiosos que questionam a mediocridade e prezam pela autenticidade das artes; ainda há críticos de arte que prezam a Arte pela Arte. (Meus agradecimentos e felicitações ao jornalista Luciano Trigo que fez questão de pedir para sua editora me enviar um exemplar do livro!)
Para comprar o livro clique na imagem do mesmo: vale a pena!!! Acesse o blog do jornalista Luciano Trigo no Portal G1: dicas de artes, literatura e cinema!!!
4 comentários:
belo excerto, caro Vagner Pitta. Acho que pelo jeito esse livro nos mostra a verdade nua e crua de que arte, idependente de conceito e estética, tem que ter não só uma idéia coerente que nos faça questionar o estado do mundo ou da própria arte, mas o principal é que tudo isso esteja casado com a técnica e talento do artista
achei legal o conceito de "arte por designação", onde qualquer coisa ou objeto pode ser taxado como arte, isso é uma lástima mesmo hoje me dia
e onde fica a técnica, o talento?
esse artigo e vídeo me fez lembrar da obra de John Cage: a peça 4:33, onde o pianista fica 4 minutos e 33 segundos sentado frente ao piano sem tocar uma nota sequer. Aquilo foi genial? Eis a questão
abraços
Enfim!
Depois de Ferreira Gullar num pequeno artigo para a revista Bundas (É arte tudo o que chamam de arte?) e depois da rajada fulminante de ironias de Tom Wolfe no artigo "A Dança Apache" (livro Décadas Púrpuras), alguém com coragem jornalística adentra o mundinho e retorna vivo pra nos contar.
Agora em livro!
Atualmente só se consegue ver uma dessas 'obras' com manual explicativo. Ou como Hiltom Kramer (citado por Wolfe) dizia "com uma teoria convincente".
Na primeira chance vou pegar o meu na livraria.
Comprei o livro e vale a pena mesmo! O livro não é pedante, tem 240 páginas e é muito claro e rico ao mesmo tempo, porque além de revelar toda a "sujeira" que rola nos bastidores da arte, ele traça falando das Escolas Artisticas históricas e atuais e, como bem disse Vagner, ele faz uma fundamentação muito rica mesmo, incluindo fatos, frases, citações de poetas, indicações de livros, menções à críticos célebres, escritores, filósofos, os próprios pintores...enfim, todos que refletiram sobre o estado da arte.
Não é um livro de anedotas, mas um ensaio que expõe a real mediocridade da arte: é um soco no estomago da arte medíocre e no próprio jornalismo cultural, que virou mais uma vitrine de vendas do que um espaço para a crítica de arte.
Aliás, sou jornalista...e achei esse blog muito interessante!
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