Taí um livro interessante para quem quiser inteirar-se do universo da "nova poesia brasileira". Neste, Manuel da Costa Pinto, crítico literário e colunista do jornal Folha de São Paulo, reúne alguns dos principais poetas que estiveram ativos desde o ano de 2000 até agora. Apesar da dificuldade que todo antologista tem de reunir autores diversificados dentro de uma categoria em comum - como esta que é a "poesia brasileira do século 21" - sem deixar o seu gosto pessoal levar à escolha estritamente arbitrária - , Manuel da Costa Pinto nos dá o deleite de desfrutar de uma antologia indubitavelmente precisa. E, se é que sua escolha pessoal foi arbitrária e imperativa, ela acaba sendo compensada pela abrangência da seleção, pois Manuel da Costa evidencia não só o continuum de autores tarimbados que foram expoentes de movimentos históricos como, por exemplo, os poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Ferreira Gullar - representantes dos movimentos Concretistas e, no caso de Gullar, Neo-Concretista - , mas também evidencia alguns dos mais novos poetas da geração 2000, bem como tenta evidenciar as novas tendências que ainda não estão tão claras, já que se trata da mais recente poesia produzida no Brasil. O principal propósito, contudo, não é, necessariamente, traçar uma linha genealógica entre os novos poetas e suas tendências com os poetas pioneiros de movimentos históricos, ou seja, a intenção não é tratar a poesia decorrente de um desdobrar genealógico. Mas apesar do intuito não ser "atender aos anseios dos interessados na história da literatura brasileira", vê-se, no entanto, que o antologista concretiza, com êxito, o seu propósito de mostrar as conexões das supostas tendências atuais com os movimentos ditados num passado não tão distante, de forma que o leitor as compreenda com facilidade: essa didática é bem aparente nos comentários que vêm logo após os poemas selecionados de cada poeta, explicando, assim, as suas respectivas influências e características.
Alem de poetas influentes já fixados na história da poesia brasileira do século 20 - como Ferreira Gullar, Haroldo de Campos, Roberto Piva, Adélia Prado e Sebastião Uchôa Leite - que chegaram a publicar seus poemas no novo século 21 , o leitor encontrará nesta antologia alguns dos mais novos e interessantes poetas com idade na casa dos 30 e 40 anos (sendo que alguns desses mal começaram a publicar e já são considerados promissores para o novo século): destaco, entre eles, Alexei Bueno (1963) que, como sublinha Manuel da Costa, mostra uma poesia "atravessada por preocupações metafísicas" com influências de Fernando Pessoa e, por vezes, com derivações modernas do decadentismo simbolista; Fabrício Corsaletti (1978) que mostra uma inteligente construção poética através da observação da realidade da vida na metrópole, mostrando a "face negativa dessa realidade de pura destruição"; Manoel Ricardo de Lima (1970) que é detentor de uma prosa e poesia caracterizada por verdadeiros "improvisos jazzísticos repletos de silêncios e acordes descontínuos" que evidenciam os lapsos, lembranças e movimentos do mundo elíptico e sua relação de distância com um certo 'plano antropomórfico'; e Eucanaã Ferraz (1961) que torna patente, em sua poética, "as continuidades que levam do modernismo ao espírito vanguardista do tropicalismo e do neoconcretismo". Ademais, o leitor encontrará, entre os 70 poetas abordados, nomes como Caetano Veloso (o mestre da poesia tropicalista), Arnaldo Antunes (o ex-roqueiro que mostra traços do concretismo dos anos 50), Claudia Roquette-Pinto, Antônio Cícero, Glauco Mattoso, Chacal, Carlito Azevedo, Augusto Massi, Fabrício Carpinejar, Tarso de Melo, Alberto Martins, a peculiar Micheliny Verunschk, dentre outros.
Este livro, Antologia Comentada da Poesia Brasileira do século 21, mostra, portanto, o real intuito de ser um guia para o interessado em poesia brasileira contemporânea, não exigindo, necessariamente, que o leitor tenha um profundo conhecimento de toda a história da poesia para apreciá-lo, mas tão somente que o leitor tenha o mínimo de interesse em entender a poesia contemporânea advinda das vanguardas históricas. Enfim, se você acha que a poesia é uma arte excitante mas não a aprecia porque tem aquela impressão de que terá de iniciar suas leituras e pesquisas através de poemas com "chateações românticas" ou "floreios parnasianos", está na hora de se atualizar e conhecer a poesia brasileira contemporânea (porque, verdadeiramente, a poesia é, talvez até mais diretamente do que a música, a arte que mais exprime os sentimentos e as nostalgias humanas, bem como suas relações com esse mundo-cão).
Os Peixes
(um poema)
Os Peixes
(um poema)
Repeated
evidence has proved that it can live
on waht can not revive
its youth. The sea grows old in it.
Marianne Moore, The Fish
I
sentimento do mundo aberto
página em livro
cardume dormindo
penumbra
- é jazz
ou automação
quem tem farelos?
II
sombrancelha jogada
sobre
o mar
a alma
deles mesmos
peixes
sem nem
para nenhum
alimento
escarafuncha lixo
o caminhão serve
* trecho do poema Os Peixes que mostra a "poesia improvisativa" de Manoel Ricardo de Lima: metáforas e simbologias aparentementes abstratas que mostram a escolha do peixe como referência para compor os movimentos, lembranças e lapsos do "mundo aberto" (querendo dizer algo como "a cidade é naufrágio do peixe" ou mostrar as relações entre peixe/mar e homem/cidade)
I
sentimento do mundo aberto
página em livro
cardume dormindo
penumbra
- é jazz
ou automação
quem tem farelos?
II
sombrancelha jogada
sobre
o mar
a alma
deles mesmos
peixes
sem nem
para nenhum
alimento
escarafuncha lixo
o caminhão serve
* trecho do poema Os Peixes que mostra a "poesia improvisativa" de Manoel Ricardo de Lima: metáforas e simbologias aparentementes abstratas que mostram a escolha do peixe como referência para compor os movimentos, lembranças e lapsos do "mundo aberto" (querendo dizer algo como "a cidade é naufrágio do peixe" ou mostrar as relações entre peixe/mar e homem/cidade)
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