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Retrospectiva I: Os principais lançamentos dos últimos anos evidenciam a ecleticidade no jazz contemporâneo.

Nossa, como o tempo passa, heim galera! O ano de 2009 foi-se e foi ligeiro. Enquanto isso o Blog Farofa Moderna adentrou-se em seu atual três anos de existência e já daqui a pouco, se o Senhor Todo Poderoso Google permitir, faz quatro, cinco, seis...o tanto de anos que meus dedos, meus bolsos e minha cabeça também permitirem. E assim como foi impossível para nossos colaboradores abordar, nesses três anos, todos os discos que achamos interessantes, todos os discos que foram bem comentados na mídia ou que foram por ela criticados, todas as exigências impostas por nossos leitores, todos os músicos que gostamos, bem como todos os gêneros e estilos que curtimos...enfim, tem sido difícil também, para qualquer jazzófilo que nos visita, afirmar com certeza qual a corrente ideológica e estilista que domina o jazz atualmente.(?)


Stefon Harris: um dos principais destaques de 2009


Enquanto a maioria dos espaços da mídia brasileira especializada em jazz ainda se amarra apenas -- e inteiramente -- naquela noção clássica de jazz dos anos 30, 40, 50 e 60 -- com aspectos tradicionais do swing, groove, soul e funky -- o Blog Farofa Moderna mostra, de antemão, as estripulias do jazz contemporâneo marcado por rotulagens como Modern Post-bop, Neo-bop e Modern Creative: e aí existem as misturas, os experimentos, as polêmicas, os devaneios, a politonia, a polirritmia, essa miscelânea de idéias, arranjos, sonoridades e rítmos que estigmatiza -- no sentido de indefinição mesmo -- o jazz produzido nas últimas décadas. Sim, sei que haverá pessoas dando a desculpa de que a mídia brasileira especializada em jazz é assim tão reacionária pelo fato do público não ter a cultura de curtir música que não seja de aspecto oral e/ou de entretenimento e que , por causa disso, a mídia tem de mostrar o jazz mais tradicional mesmo -- como forma de "educar" os ouvidos leigos com mais didática. Isso é balela! É mentira! Talves isso funcione apenas nos próprios EUA, onde as pessoas, por consequência, já crescem com uma certa noção de história, tradição e cultura que, musicalmente falando, já está intrinsecamente ligada ao blues e ao jazz -- então é aí que entra músicos como Terence Blanchard ou Wynton Marsalis, por exemplo, que se encarregam de lançar projetos conscientizadores afim de reascender nas pessoas o gosto pela tradição musical do seu país. Mas aqui no Brasil, é mais interessante mostrar ao público o processo contrário da evolução do jazz -- sobretudo ao público jovem (constituído de adolescentes à adultos na casa dos 40) -- do que passar uma noção atrasada desse gênero musical na tentativa de ensinar aspectos da tradição americana para uma pessoa que não valoriza nem a própria cultura brasileira. Ora, é óbvio que é mais interessante mostrarmos às pessoas como é a arte do presente em que elas vivem e por quais motivos históricos elas podem viver esse presente e podem apreciar essa arte, do que mostrá-las apenas o passado. Mostrar para um leigo em jazz que gosta de rock que o pianista Brad Mehldau toca temas da banda Radiohead influenciado pelas gravações do pianista Bill Evans é, com certeza, muito mais direto e interessante para ele do que lhe apresentar somente Bill Evans -- inclusive, o último álbun de Mehldau, o Live in Tókio (Nonesuch, 2008) tem uma versão fantástica do tema Black Hole Sun da banda de rock Soundgarden.


Sky Blue - Maria Schneider (2008)Congo Square - Wynton Marsalis e Yacub Addy (2008)He and She - Wynton Marsalis (2009)Bill Dixon with Exploding Star Orchestra (2008)Brad Mehldau - Live in Tokio (2008)Esta Plena - Miguel Zenon (2009)Áurea - geoffrey Keezer (2009)Joshua Redman - Compass (2009)Beat Reader - The Vandermark 5 (2009)













Ademais, os próprios lançamentos dos últimos anos acentua essa tendência eclética que prediz que o jazz caminha para ser cada vez mais amplo e cada vez menos apegado à apenas uma noção de swing, uma noção de groove, à um grupo seleto de ícones, ou apegado apenas à uma onda estilística. Aliás, o próprio Wynton Marsalis -- que combina conservadorismo com ousadia composicional -- vem lançando dois ou três trabalhos por ano: cada um com uma temática, com estilos variados e com passagens que mostram aspectos desde do velho estilo dixieland até grooves mais contemporâneos. Veja, por exemplo, quão diferente é o disco Congo Square (Shanachie Entertainment, 2008) do disco He and She (Blue Note, 2009), dois dos principais lançamentos de Wynton Marsalis nesses ultimos anos. E apesar da revista Downbeat estar valorizando mais o músico veterano e as gravadoras mais tradicionais nesses últimos lançamentos, músicos estreantes, mais jovens e menos conhecidos na mídia -- a maioria deles amparados por gravadoras indie -- também lançaram trabalhos excelentes: os albuns Invisible Cinema (Blue Note, 2008) do pianista estreante Aaron Parks, Áurea(ArtistShare, 2008) do pianista Geoffrey Keezer e o Esta Plena (Marsalis Music, 2009) do saxofonista em ascenção Miguel Zenom figuram na lista dos melhores álbuns de 2008 e 2009 e são exemplos de como as novas gerações estão tratando o jazz. E o que é instigante é que alguns dos músicos que estão lançando trabalhos inovadores em solo americano são de outras nacionalidades ou têm descendências de outros países: Vijay Iyer e Rudresh Mahantappa são de descendência indiana, Miguel Zenon é porto-riquenho e a pianista Hiromi Uehara é japonesa. Abaixo cito e descrevo alguns dos principais lançamentos desses últimos anos:


Terence Blanchard: um dos principais destaques de 2008


Wynton Marsalis, com seu swing retrô, apela para a jocosidade do estilo New Orleans, fazendo uso de surdinas, do som encorpado do arco no contrabaixo e da poesia falada (spoken word) para criar um clima descontraído e aplicar, assim, o romance como temática: no disco He and She (Blue Note, 2009). Roy Hargrove recria o hard bop e o jazz-funk de forma bem fresca e elegante em Earfood (2008, Emarcy). Ken Vandermark, lá dos cafofos de Chicago, evoca o free jazz, a livre improvisação européia -- além das passagens em puro noise ou com requintes minimalistas -- com a erudição e coerência que só ele soube como fazê-lo nos discos anteriores do The Vandermark 5 e agora repete em Beat Reader (Atavistic, 2008). Ed Palermo lançou mais um disco de releituras com arranjos fantásticos para sua fantástica big band, recriando para ela alguns dos grandes temas compostos pelo genial roqueiro Frank Zappa: em Eddy Loves Frank (2009, Cuneiform). O jovem Lionel Loueke faz um cruzamento das vozes e os tambores da África com os aspectos do jazz contemporâneo de forma folk e leve em Karibu (Blue Note, 2008). Um outro jovem chamado Aaron Parks, por sua vez, mostra-nos um piano fresco, novo, com uma harmonia e roupagem que evoca o pop contemporâneo, mas soa extretamente jazzístico e sofisticado em Invisible Cinema (Blue Note, 2008). Já a bandleader Maria Schneider faz sua big band soar como um vento calmo numa tarde calma de domingo no melodioso Sky Blue (ArtistShare, 2007). Rob Mazurek também vem se atrevendo em projetos com grandes formações, trazendo à tona sua "big band de free jazz" Exploding Star Orchestra -- mais ou menos nos mesmo moldes dos grandes coletivos da livre improvisação européia --, fazendo uma homenagem ao trompetista Bill Dixon e impregnando uma dose equilibrada de arranjos bem elaborados misturados aos sons sintéticos produzidos por laptop e à improvisação coletiva: vide disco Bill Dixon with Exploding Star Orchestra (Thrill Jockey, 2007). Joshua Redman despreza os recursos harmônicos do órgão ou piano nos discos Back East e Compass (Nonesuch, 2007 e 2009), tentando ampliar a arte do sax-trio -- com sax tenor ou soprano, contrabaixo e bateria -- que Sonny Rollins deixou conhecido como "strolling" na década de 50. James Carter, com seu conjunto de saxes e clarinetas, mescla o swing tradicional com os rangidos do avant-garde numa sequência de homenagens, começando por uma faixa que homenageia Django Reinhardt, passando por outra que lembra do desconhecido Gigi Gryce e terminando com uma faixa dedicada a Dolphy: no disco Present Tense (Emarcy, 2008). Carla Bley, dessa vez com uma big band compacta, soa um tanto tradicional, mas, ainda assim, há aquele mínimo de estranheza que lhe é peculiar em Appearing Nightly (ECM, 2008). O indo-americano Rudresh Mahantappa mostra como é seu jazz de roupagem indiana em Kinsmen (Pi Recordings, 2008): os fraseados fantásticos e as sonoridades únicas explicam porque a mídia do jazz lhe enxerga como uma figura inovadora no universo do jazz norte-americano. A japoneza Hiromi Uehara, por sua vez, lança o disco Duet: Chick & Hiromi (Concord, 2009) em duo com Chick Corea, num emaranhado de improvisos pianísticos que soam lindos e virtuosos. Enquanto isso, o vetaraníssimo Jack DeJohnette mostra que ainda tem muito braço para as polirritmias do jazz contemporâneo: em trio com o pianista Danilo Perez e o contrabaixista John Patitucci no disco Music We Are (Golden Beans, 2009). Christian McBride também caminha de vento em popa: em Kind Of Brown (Mack Avenue, 2009) ele parafrasea Miles Davis e faz uma requintada homenagem ao lendário contrabaixista Ray Brown, com improvisos virtuosos e rítmos que vão do bebop ao modern post-bop, soando sofisticadamente contemporâneo. Já o trompetista Terence Blanchard lançou um trabalho magnífico de quinteto de jazz e orquestra de cordas onde, num aspecto de trilha sonora, põe à mostra toda a melancolia e tristeza que a tragédia do Katrina deixou aos moradores de New Orleans: no disco Tale Of God's Will - A Requiem For Katrina (Blue Note, 2007). E o trio The Bad Plus ainda cria polêmica ao usar temas do pop rock como se fossem legítimos standards de jazz, ou melhor, evocando de vez o gosto pela música pop ao convidar a cantora indie Wendy Lewis para uma parceria no disco For All I Care (Telarc, 2008). O veterano McCoy Tyner não quer mesmo se aposentar: em um único projeto, Guitars (McCoy Tyner Music, 2008), ele une os principais guitarristas do jazz contemporâneo: participações dos guitarristas Marc Ribot, John Scofield, Derek Trucks, Bill Frisell e do banjolinista Béla Fleck. Porfim, para finalizar os exemplos, destaco aqui o mais recente projeto do vibrafonista Stefon Harris com sua banda Blackout: o disco Urbanus (Concord, 2009), onde ele faz uma conexão do jazz contemporâneo com o hip hop e funk. Enfim, faixas de todos esses trabalhos, que foram lançados em meados de 2007, 2008 ou agora em 2009 -- alguns bem elogiados pela mídia do jazz, outros criticados, outros simplesmente esquecidos -- estão disponíveis para audição no link abaixo que dá acesso à janela da Radio Farofa Moderna. Para ouvir as respectivas faixas basta clicar no link e, logo em seguida, já irá abrir uma janela pop-up com a sequência de faixas (tendo uma faixa de cada album citado).


Clique aqui para ouvir essas e outras faixas dos lançamentos mais recentes!



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