Max Roach: músico revolucionário e ativista político!
Nenhum baterista foi tão ousado quanto os mestres Art Blakey e Max Roach, dois dos músicos provenientes do bebop que libertaram a bateria do estigma de ser apenas um "instrumento acompanhante" dentro dos combos e big bands. Blakey foi importante no sentido de descobrir uma grande variedade de músicos e ajudar a quebrar esse velho tabu da "bateria acompanhante" - vide suas atuações como líder à frente dos Jazz Messengers que surtiram nas maiores gravações do Hard Bop, bem como suas gravações solo que, já na década de 50, começava a fundir o Jazz com os "beats" e as melodias africanas e latinas de forma mais profundamente trabalhada (conferir, por exemplo, os discos Drum Suite de 1956, Africaine de 1959 e The African Beat de 1962, esse ultimo com atuação do grande saxtenorista Yusef Lateef). E Roach foi importante no sentido de levar a atuação da bateria ao primeiro plano das idéias como nenhum outro baterista o fez - vide as atuações à frente do seu poderoso quinteto hard bop (por onde passaram Harold Land, Clifford Brown, Kenny Dorham, Booker Litttle e Sonny Rollins) nos anos 50 (presentes nos discos Max Roach plus Four de 1956 e Jazz in 3/4 de 1956, e o Deeds Nort Words de 1958, com a inesperada presença da tuba de Ray Draper), bem como os seus projetos de cunhos social e político, que marcaram os protestos ativistas contra o racismo na década de 60 (conferir nos discos We Insist! - Freedom Now Suite de 1960 e Percussion Bitter Sweet de 1961), sem esquecer do disco Drums Unlimited de 1963, onde ele, de fato, coloca a bateria no centro das atenções com takes inteiros de improvisações solos.
Falando de Max Roach, é impossível para qualquer jazzófilo - que se preze - ficar indiferente à atuação vanguardista do baterista que, ao mesmo tempo, foi libertária, ativista e política. Em 1959, Max deu à luz aquela que foi uma das maiores obras de protesto - senão a maior - da história do Jazz: a We Insist! Freedom Now Suite, com letras do grande poeta, escritor e cantor Oscar Brown Jr. Composta em 5 partes - Driva Man" (5:10 m), "Freedom Day" (6:02 m), "Triptych: Prayer/Protest/Peace" (7:58 minutos), "All Africa" (7:57 m) e "Tears for Johannesburg" (9:36 m) -, a suíte foi gravada pelo pequeno e recém-fundado selo Candid em 1960, tendo uma repercurssão tão forte quanto a espirituosidade e a comoção que a própria obra já dispunha em si mesma. Logo na capa do disco vê-se a imagem de um barman branco servindo músicos negros em um balcão, ato que era totalmente proibido, pois os negros não podiam ser tratatos como os brancos: eles tinham de sentar separados no fundo dos bares, eram servidos depois de todas as outras pessoas e se os estabelecimentos ou os ônibus estivessem lotados e entrasse uma pessoa branca, eles tinham de levantar e dar o lugar no assento, obrigatoriamente. A suíte foi, portanto, uma reclamação em grito de Max Roach que, antenado com o ativismo social em prol da comunidade negra, a lançou em protesto não só à exclusão contra os negros, mas também como resposta à um convite para participar do centenário da Emancipation Proclamation, espécie de abolição da escravatura americana expressa através das ordens executivas do presidente americano Abraham Lincoln em 1862. Consequentemente, o baterista não só recusou o convite para a comemoração como passou a ser a mais furiosa voz do jazz contra a exlusão social. Com essa suíte, de uma música tão tocante e uma letra tão poderosa, Max Roach foi um dos músicos de jazz a entrar na "lista negra" do governo (mesma "lista" que continha nomes como o boxeador Muhamad Ali e o líder-negro Malcolm X), ao mesmo tempo em que a sua obra chegou a ser requisitada em vários países da Europa, em compensação de ter sido severamente proibida na África do Sul devido ao regime do Apartheid. Não coincidentemente a ultima faixa chama-se "Tears for Johannesburg", uma crítica em lamento pela exclusão social que era praticada com afinco pelo governo sul-africano daqueles tempos.
Musicalmente falando, a suite é composta de inspirados solos instrumentais e baladas cantadas, com base no blues e na música africana, que expressam todo o lamento que Max Roach quis expressar frente àquela situação de racismo, com a qual os negros já estavam cansados de sofrer. Os compassos saem do quaternário simples (4/4) de "Freedom Day" , passa pelo 3/4 em "All Africa" (faixa cantada no idioma Africâner) até abordar o inusual 5/4 em "Tears for Johannesburg. Portanto, esta gravação coloca Max Roach ao lado do pianista Dave Brubeck neste aspecto de explorar outras rítmicas - lembrando que Max já lançara o disco Jazz in 3/4 (onde ele explora a valsa-jazz e outras formas do compasso ternário em todas as composições) e Brubeck lançara em 1959, um pouco antes desta suíte, o clássico Take Five, com composições em compassos inusuais como 5/4 e 9/8. Ademais, os diferenciais dessa suite ficam por conta da observação do ouvinte à detalhes mais perceptíveis: a voz explendorosa de Abbey Lincoln (sobretudo em "Triptych", onde dela grita e evoca o desespero do negro), a participação do grande veterano Coleman Hawkins, as congas e tambores do nigeriano Michael Olatunji e, acima de tudo, a atuação fantástica de Roach que não só lidera os músicos ditando o rítmo de forma singular como também os interrompe, colocando a bateria no centro da composição através de solos tão libertários quanto seu próprio espírito artístico.
No Youtube se encontra a master das gravações em vídeo dessa grande suíte-protesto chamada We Insist! Freedom Now Suite. Impressionante como os vídeos estão em excelentes resoluções, considerando que eles foram gravados em preto-e-branco pela SWF TV Studio da cidade de Baden-Baden, Alemanha, em 1964: trata-se de um conjuntos de vídeos lançado na série Jazz Maters. O combo liderado por Max Roach neste registro é um reduzido quinteto constituído da cantora Abbey Lincoln (na época ela era esposa do baterista), Clifford Jordan (sax tenor), o "unsung heroe" Coleridge Perkinson (piano) e Eddie Kahn (contrabaixo), uma formação diferente, portanto, daquela que gravou o revolucionário LP pela Candid em 1960 com Max Roach (drums), Abbey Lincoln (vocals), Coleman Hawkins, Walter Benton (tenor saxophone), Booker Little (trumpet), Julian Priester (trombone), James Schenck (bass), Michael Olatunji (congas) e Tomas Duvall, Ray Mantilla (percussion). Para quem quiser escutar a obra no Youtube, basta digitar "Max Roach Combo" no campo de pesquisa e dar enter: daí aparecerão as 5 partes da suíte dispersas. Pra quem quiser acessar essa obra organizada na sequência, deixo-as aí embaixo num link que dá acesso à seção de vídeos do meu site no Multiply. Detalhe: reparem nestes vídeos que, em determinadas partes, os membros do combo de Roach tocam separados por celas e grades, como de uma cadeia. Boa Audição!
See and listen: We Insist! Max Roach's Freedon Now Suite
Nenhum baterista foi tão ousado quanto os mestres Art Blakey e Max Roach, dois dos músicos provenientes do bebop que libertaram a bateria do estigma de ser apenas um "instrumento acompanhante" dentro dos combos e big bands. Blakey foi importante no sentido de descobrir uma grande variedade de músicos e ajudar a quebrar esse velho tabu da "bateria acompanhante" - vide suas atuações como líder à frente dos Jazz Messengers que surtiram nas maiores gravações do Hard Bop, bem como suas gravações solo que, já na década de 50, começava a fundir o Jazz com os "beats" e as melodias africanas e latinas de forma mais profundamente trabalhada (conferir, por exemplo, os discos Drum Suite de 1956, Africaine de 1959 e The African Beat de 1962, esse ultimo com atuação do grande saxtenorista Yusef Lateef). E Roach foi importante no sentido de levar a atuação da bateria ao primeiro plano das idéias como nenhum outro baterista o fez - vide as atuações à frente do seu poderoso quinteto hard bop (por onde passaram Harold Land, Clifford Brown, Kenny Dorham, Booker Litttle e Sonny Rollins) nos anos 50 (presentes nos discos Max Roach plus Four de 1956 e Jazz in 3/4 de 1956, e o Deeds Nort Words de 1958, com a inesperada presença da tuba de Ray Draper), bem como os seus projetos de cunhos social e político, que marcaram os protestos ativistas contra o racismo na década de 60 (conferir nos discos We Insist! - Freedom Now Suite de 1960 e Percussion Bitter Sweet de 1961), sem esquecer do disco Drums Unlimited de 1963, onde ele, de fato, coloca a bateria no centro das atenções com takes inteiros de improvisações solos.
Falando de Max Roach, é impossível para qualquer jazzófilo - que se preze - ficar indiferente à atuação vanguardista do baterista que, ao mesmo tempo, foi libertária, ativista e política. Em 1959, Max deu à luz aquela que foi uma das maiores obras de protesto - senão a maior - da história do Jazz: a We Insist! Freedom Now Suite, com letras do grande poeta, escritor e cantor Oscar Brown Jr. Composta em 5 partes - Driva Man" (5:10 m), "Freedom Day" (6:02 m), "Triptych: Prayer/Protest/Peace" (7:58 minutos), "All Africa" (7:57 m) e "Tears for Johannesburg" (9:36 m) -, a suíte foi gravada pelo pequeno e recém-fundado selo Candid em 1960, tendo uma repercurssão tão forte quanto a espirituosidade e a comoção que a própria obra já dispunha em si mesma. Logo na capa do disco vê-se a imagem de um barman branco servindo músicos negros em um balcão, ato que era totalmente proibido, pois os negros não podiam ser tratatos como os brancos: eles tinham de sentar separados no fundo dos bares, eram servidos depois de todas as outras pessoas e se os estabelecimentos ou os ônibus estivessem lotados e entrasse uma pessoa branca, eles tinham de levantar e dar o lugar no assento, obrigatoriamente. A suíte foi, portanto, uma reclamação em grito de Max Roach que, antenado com o ativismo social em prol da comunidade negra, a lançou em protesto não só à exclusão contra os negros, mas também como resposta à um convite para participar do centenário da Emancipation Proclamation, espécie de abolição da escravatura americana expressa através das ordens executivas do presidente americano Abraham Lincoln em 1862. Consequentemente, o baterista não só recusou o convite para a comemoração como passou a ser a mais furiosa voz do jazz contra a exlusão social. Com essa suíte, de uma música tão tocante e uma letra tão poderosa, Max Roach foi um dos músicos de jazz a entrar na "lista negra" do governo (mesma "lista" que continha nomes como o boxeador Muhamad Ali e o líder-negro Malcolm X), ao mesmo tempo em que a sua obra chegou a ser requisitada em vários países da Europa, em compensação de ter sido severamente proibida na África do Sul devido ao regime do Apartheid. Não coincidentemente a ultima faixa chama-se "Tears for Johannesburg", uma crítica em lamento pela exclusão social que era praticada com afinco pelo governo sul-africano daqueles tempos.
Musicalmente falando, a suite é composta de inspirados solos instrumentais e baladas cantadas, com base no blues e na música africana, que expressam todo o lamento que Max Roach quis expressar frente àquela situação de racismo, com a qual os negros já estavam cansados de sofrer. Os compassos saem do quaternário simples (4/4) de "Freedom Day" , passa pelo 3/4 em "All Africa" (faixa cantada no idioma Africâner) até abordar o inusual 5/4 em "Tears for Johannesburg. Portanto, esta gravação coloca Max Roach ao lado do pianista Dave Brubeck neste aspecto de explorar outras rítmicas - lembrando que Max já lançara o disco Jazz in 3/4 (onde ele explora a valsa-jazz e outras formas do compasso ternário em todas as composições) e Brubeck lançara em 1959, um pouco antes desta suíte, o clássico Take Five, com composições em compassos inusuais como 5/4 e 9/8. Ademais, os diferenciais dessa suite ficam por conta da observação do ouvinte à detalhes mais perceptíveis: a voz explendorosa de Abbey Lincoln (sobretudo em "Triptych", onde dela grita e evoca o desespero do negro), a participação do grande veterano Coleman Hawkins, as congas e tambores do nigeriano Michael Olatunji e, acima de tudo, a atuação fantástica de Roach que não só lidera os músicos ditando o rítmo de forma singular como também os interrompe, colocando a bateria no centro da composição através de solos tão libertários quanto seu próprio espírito artístico.
No Youtube se encontra a master das gravações em vídeo dessa grande suíte-protesto chamada We Insist! Freedom Now Suite. Impressionante como os vídeos estão em excelentes resoluções, considerando que eles foram gravados em preto-e-branco pela SWF TV Studio da cidade de Baden-Baden, Alemanha, em 1964: trata-se de um conjuntos de vídeos lançado na série Jazz Maters. O combo liderado por Max Roach neste registro é um reduzido quinteto constituído da cantora Abbey Lincoln (na época ela era esposa do baterista), Clifford Jordan (sax tenor), o "unsung heroe" Coleridge Perkinson (piano) e Eddie Kahn (contrabaixo), uma formação diferente, portanto, daquela que gravou o revolucionário LP pela Candid em 1960 com Max Roach (drums), Abbey Lincoln (vocals), Coleman Hawkins, Walter Benton (tenor saxophone), Booker Little (trumpet), Julian Priester (trombone), James Schenck (bass), Michael Olatunji (congas) e Tomas Duvall, Ray Mantilla (percussion). Para quem quiser escutar a obra no Youtube, basta digitar "Max Roach Combo" no campo de pesquisa e dar enter: daí aparecerão as 5 partes da suíte dispersas. Pra quem quiser acessar essa obra organizada na sequência, deixo-as aí embaixo num link que dá acesso à seção de vídeos do meu site no Multiply. Detalhe: reparem nestes vídeos que, em determinadas partes, os membros do combo de Roach tocam separados por celas e grades, como de uma cadeia. Boa Audição!
See and listen: We Insist! Max Roach's Freedon Now Suite
Um comentário:
Outra importante mudança que Roach proporcionou a bateria, foi o uso melódico dela, nos pratos e tambores. Também aplicou técnica de tímpano, tanto que nas últimas décadas, adotou um mecanismo similar no surdo da bateria, que modulava o tom. Roach além de baterista, também tocava piano para compor, como é o caso de Percussion Bitter Sweet, mencionado, onde todas as peças são compostas por ele.
Esta gravação é uma prova de que a vida real é grande fonte de inspiração para a música e não devaneios no mundo onírico. As músicas tem esta força por retratarem e captarem o sentimento de uma época.
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